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contado e recontado em tragédias espetaculosas. Ela respondeu com uma narrativa que nos
        implica a todos. É por ter se negado a dar respostas fáceis ao mundo que a assistia que não

        a perdoam. Mas esta é a história que a Natascha adulta pode contar a si mesma tantas vezes
        quanto forem necessárias e acordar no dia seguinte sabendo quem é.
          Seu livro é uma boa leitura para todos, possivelmente essencial para policiais, advogados,

        promotores e juízes, para assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e psicanalistas — e, sim,
        para jornalistas. Se eu fosse professora de alguma faculdade de Jornalismo, consideraria

        bibliografia  obrigatória.  O  testemunho  de  Natascha  pode  nos  ajudar  a  cometer  menos
        atrocidades nas coberturas das tragédias que se sucedem no noticiário.
           Sobre sua relação com a imprensa, Natascha escreve o seguinte:


          “Eu nunca abriria mão da minha identidade. E me apresentei diante das câmeras com meu
        nome completo e sem disfarces, e ofereci um vislumbre do tempo do cativeiro. Mas, apesar

        da minha franqueza, os meios de comunicação não me deixavam em paz. Eram dezenas de
        manchetes, e especulações cada vez mais absurdas dominavam o noticiário. Parecia que a

        verdade terrível não era terrível o bastante, então eles acrescentavam coisas muito além do
        suportável, negando, com isso, minha autoridade como intérprete do que eu vivera. (...)
          Fui  percebendo  que  caíra  em  outra  prisão.  Centímetro  a  centímetro,  as  paredes  que

        substituíram o cativeiro se tornaram visíveis. Eram mais sutis, construídas com o interesse
        público excessivo, que julgava cada movimento meu. Assim, coisas simples como pegar o
        metrô  ou  ir  ao  shopping  em  paz  se  tornaram  impossíveis  para  mim.  Acreditei  que,  ao

        satisfazer a curiosidade da mídia, seria capaz de retomar minha própria história. Só depois
        descobri que uma tentativa como essa nunca teria êxito. Nesse mundo que buscava por mim,
        a  questão  não  era  eu.  Eu  me  tornara  conhecida  por  causa  de  um  crime  terrível.  O

        sequestrador estava morto — não havia um caso Priklopil. Eu era o caso: o caso Natascha
        Kampusch.”


           Ela vai mais além. Vai até o fim.

          “Depois da fuga, fiquei surpresa — não pelo fato de que eu, como vítima, fosse capaz de

        fazer essa diferenciação, mas de que a sociedade na qual entrara após meu cativeiro não
        permitisse a menor nuance. Como se eu não pudesse refletir de maneira alguma sobre a

        pessoa que fora a única em minha vida durante oito anos e meio. Não posso nem aludir ao
        fato  de  que  preciso  desse  recurso  para  tentar  superar  o  que  aconteceu  sem  despertar
        incompreensão.

          Ao mesmo tempo, percebi que, em certa medida, também idealizei a sociedade. Vivemos
        em um mundo em que as mulheres apanham e são incapazes de abandonar o homem que
        bate nelas, embora, em tese, a porta esteja aberta. Uma em cada quatro mulheres é vítima

        de violência extrema. Uma em cada duas mulheres sofre assédio sexual durante a vida. Esses
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