Page 54 - LIVRO - ENCONTRO DE RIO E MAR_160x230mm
P. 54

Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               pesqueira. Nesse mesmo Código, exaltam-se os benefícios do uso do mo-
               tor a diesel, de barcos de grande porte, do uso da ciência como aliada na
               atividade pesqueira e, obviamente, do valor patriota e militar dessas ações.
               Perguntamo-nos como os pescadores teriam se manifestado diante de tais
               incumbências. Não encontraremos no documento qualquer menção so-
               bre as suas falas. Todas as impressões derivam do olhar do comandante,
               que narra o seu ponto de vista acerca de como são os pescadores, nativos
               descobertos em um novo mundo carente de civilização, descrevendo seus
               corpos e hábitos e apontando como devem ser e desenvolver o seu ofício,
               para que então possam estar aptos à sociedade e servirem à nação.

               Villar (1945) encerra a sua narrativa classificando a Missão do Cruzador José
               Bonifácio como o Cruzador do Bem, “[...] realizadora da obra mais genui-
               namente republicana realizada pela República” (VILLAR 1945, p. 231).

               No trabalho onde relaciona pesca, Estado e desenvolvimento nacional,
               Ramalho (2014) propõe uma crítica à forma como esse discurso da Mari-
               nha brasileira de oportunizar a modernidade aos pescadores estava camu-
               flado como isca para promoção da nacionalização da pesca. Nesse sentido,
               esse sociólogo revela que essa empreitada “[...] transformou o pescador
               artesanal em personagem estratégico, submetido, como reserva militar,
               ao controle da Marinha, que contava com escassos braços e enfrentava
               a falta de quadros a ser recrutados por ela” (RAMALHO, 2014, p. 34). O
               autor acentua, portanto, o caráter controlador do Estado através das ações
               institucionais a fim de atender a interesses específicos, tanto como reserva
               naval quanto com relação ao domínio da atividade da pesca e ao fomen-
               to de sua modernização, que, posteriormente, deu suporte a políticas de
               incentivo à indústria pesqueira e à segregação da atividade artesanal.

               Em 1933, a regulamentação da pesca passa a ser de responsabilidade do
               Ministério da Agricultura. O Serviço da Pesca e Saneamento do Litoral,
               resultante da Missão, é extinto e substituído pelo Departamento de In-
               dústria Animal Divisão de Caça e Pesca (VILLAR, 1945). Nesse período é
               promulgado o Código de Caça e Pesca (BRASIL, 2016a), atribuindo ao MA
               todo serviço de administração, gestão e execução dos dispositivos legais.

               Assim como para a Marinha brasileira, a modernização e a formação téc-
               nica para a pesca também foram preocupações do Ministério da Agri-





                                               52
   49   50   51   52   53   54   55   56   57   58   59