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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização
pesqueira. Nesse mesmo Código, exaltam-se os benefícios do uso do mo-
tor a diesel, de barcos de grande porte, do uso da ciência como aliada na
atividade pesqueira e, obviamente, do valor patriota e militar dessas ações.
Perguntamo-nos como os pescadores teriam se manifestado diante de tais
incumbências. Não encontraremos no documento qualquer menção so-
bre as suas falas. Todas as impressões derivam do olhar do comandante,
que narra o seu ponto de vista acerca de como são os pescadores, nativos
descobertos em um novo mundo carente de civilização, descrevendo seus
corpos e hábitos e apontando como devem ser e desenvolver o seu ofício,
para que então possam estar aptos à sociedade e servirem à nação.
Villar (1945) encerra a sua narrativa classificando a Missão do Cruzador José
Bonifácio como o Cruzador do Bem, “[...] realizadora da obra mais genui-
namente republicana realizada pela República” (VILLAR 1945, p. 231).
No trabalho onde relaciona pesca, Estado e desenvolvimento nacional,
Ramalho (2014) propõe uma crítica à forma como esse discurso da Mari-
nha brasileira de oportunizar a modernidade aos pescadores estava camu-
flado como isca para promoção da nacionalização da pesca. Nesse sentido,
esse sociólogo revela que essa empreitada “[...] transformou o pescador
artesanal em personagem estratégico, submetido, como reserva militar,
ao controle da Marinha, que contava com escassos braços e enfrentava
a falta de quadros a ser recrutados por ela” (RAMALHO, 2014, p. 34). O
autor acentua, portanto, o caráter controlador do Estado através das ações
institucionais a fim de atender a interesses específicos, tanto como reserva
naval quanto com relação ao domínio da atividade da pesca e ao fomen-
to de sua modernização, que, posteriormente, deu suporte a políticas de
incentivo à indústria pesqueira e à segregação da atividade artesanal.
Em 1933, a regulamentação da pesca passa a ser de responsabilidade do
Ministério da Agricultura. O Serviço da Pesca e Saneamento do Litoral,
resultante da Missão, é extinto e substituído pelo Departamento de In-
dústria Animal Divisão de Caça e Pesca (VILLAR, 1945). Nesse período é
promulgado o Código de Caça e Pesca (BRASIL, 2016a), atribuindo ao MA
todo serviço de administração, gestão e execução dos dispositivos legais.
Assim como para a Marinha brasileira, a modernização e a formação téc-
nica para a pesca também foram preocupações do Ministério da Agri-
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