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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização
le da atividade pesqueira e subsidiaram o fortalecimento da indústria da
pesca e a identificação da atividade artesanal como algo obsoleto.
Também é possível identificar o caráter intervencionista do Estado no
modo de vida dos pescadores, orientando-os à adoção de novas práticas.
As palavras de Getúlio Vargas que abrem o registro da Missão já anuncia-
vam essa orientação ao defender que o “homem brasileiro” necessitaria
dos benefícios da civilização para então ser um agente do “progresso”.
Com essa premissa, a Marinha brasileira foi a grande propulsora dessa
intervenção ao se arrogar o papel de conduzir os pescadores à moderniza-
ção das suas atividades e abrir caminhos para a industrialização do setor
na trajetória desenvolvimentista do país.
Assim, se por um lado a Marinha passou a mapear todo o litoral a fim de
regular a atividade da pesca, os recursos pesqueiros e a quantidade de
pescadores, de outro, a instituição naval passou a exercer o controle ideo-
lógico, definindo quem e como os pescadores deveriam ser, controlando
sua reprodução social e de suas comunidades.
Avançando mais na análise da obra Missão, o comandante registra seu
descontentamento com os costumes dos pescadores ao constatar que
aplicavam métodos de pesca que ele considerava arcaicos, como os re-
produzidos pelos índios, além de utilizarem embarcações precárias: “For-
mam uma grande população de mais de cem mil viventes morando - por
assim dizer - sobre o oceano, em barcos primitivos, empregando os mes-
mos processos de pesca adotados pelos índios!” (VILLAR, 1945, p. 46).
Frederico Villar descreve, de modo estereotipado, o que ele considera
como a péssima condição de saúde e miséria em que os pescadores vi-
viam e enfatiza novamente a falta de instrução, “[...] alheios às conquistas
da civilização e do trabalho na proporção talvez de 90%, os chamados
praianos não sabem ler nem escrever; vivem doentes, esquálidos, demoli-
dos pelas endemias do litoral [...]” (VILLAR, 1945, p.46).
O teor dessas palavras revela quais eram os direcionamentos ordenado-
res da ideia de diferença na sociedade brasileira da primeira metade do
século XX. Não cabiam alternativas sociais e culturais aos imperativos do
progresso e da modernização, representados pela lógica industrial, urba-
na e pela racionalidade capitalista. Ou seja, em questão estavam muito
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