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Mal’akh tinha gastado uma fortuna para localizar e obter aquele artefato. Conhecida como faca
          da Akedah, a arma havia sido forjada 3 mil anos atrás com pedaços de um meteorito de ferro que caíra
          na Terra. Ferro do céu, como a chamavam os primeiros místicos. Acreditava-se que fosse a mesma
          faca usada por Abraão na Akedah, o quase sacrifício de seu filho Isaac no monte Moriá descrito no
          Gênesis.  A  espantosa  história  daquela  faca  incluía  a  passagem  pelas  mãos  de  papas,  místicos
          nazistas, alquimistas europeus e colecionadores particulares.
                 Eles a protegeram e admiraram, pensou Mal’akh, mas ninguém se atreveu a liberar seu poder
          usando-a para seu verdadeiro propósito. Naquela noite, a faca da Akedah cumpriria seu destino.
                 No ritual maçônico, a Akedah sempre fora sagrada. No primeiro de todos os graus, os maçons
          celebravam “o mais augusto presente já oferecido a Deus... a submissão de Abraão ao Ser Supremo ao
          ofertar Isaac, seu primogênito...”
                 Eufórico ao sentir o peso da faca em sua mão,  Mal’akh se agachou e usou a lâmina recém-
          afiada para cortar as cordas que prendiam Peter à cadeira de rodas. As amarras caíram no chão.
                 Peter Solomon se encolheu de dor ao tentar mover os membros dormentes.
                 — Por que você está fazendo isso comigo? Aonde pensa que vai chegar?
                 —  Você, mais  do que ninguém,  deveria  entender  — respondeu  Mal’akh.  —  Afinal,  estuda  os
          costumes antigos. Sabe que o poder dos mistérios está no sacrifício... na libertação da alma humana do
          invólucro do corpo. É assim desde o início.
                 — Você não sabe nada sobre sacrifício — disse Peter com a voz cheia de dor e repugnância.
                 Excelente, pensou Mal’akh. Alimente seu ódio. Ele só vai tornar tudo mais fácil.
                 A barriga vazia de Mal’akh roncou enquanto ele andava de um lado para outro.
                 — O derramamento de sangue humano é extremamente poderoso. Todos compreenderam isso,
          dos antigos egípcios aos druidas celtas; dos chineses aos astecas. Existe magia no sacrifício, mas o
          homem moderno se tornou fraco e temeroso demais para fazer oferendas de verdade. Sua fragilidade o
          impede  de  entregar  a  vida  em  troca  da  transformação  espiritual.  Mas  os  textos  antigos  são  claros.
          Somente ofertando aquilo que é mais sagrado pode o homem ter acesso ao maior de todos os poderes.
                 — Você considera a mim uma oferenda sagrada?
                 Mal’akh deu uma risada sonora.
                 — Você realmente ainda não entendeu, não é?
                 Peter lançou-lhe um olhar esquisito.
                 — Sabe por que eu tenho um tanque de privação sensorial em casa? — Mal’akh pôs as mãos
          nos  quadris  e  flexionou  os  músculos  de  seu  corpo  adornado  com  esmero,  coberto  apenas  por  uma
          tanga. — Eu venho treinando.., me preparando... à espera do momento em que serei apenas mente...
          depois de me libertar desta concha mortal... e ter ofertado este lindo corpo aos deuses em sacrifício.
          Quem é precioso sou eu! Sou eu o cordeiro imaculado!
                 A boca de Peter se escancarou, mas nenhuma palavra saiu.
                 — Sim, Peter, um homem deve ofertar aos deuses aquilo que lhe é mais caro. A sua mais pura
          pomba branca... sua oferenda mais preciosa e digna. Você não é precioso para mim. Você não é uma
          oferenda digna. — Mal’akh o fuzilou com o olhar. — Será que não entende? Você não é o sacrifício,
          Peter... o sacrifício sou eu. A minha carne é a oferenda. Eu sou o presente. Olhe para mim. Eu me
          preparei e me tornei digno para minha derradeira jornada. O presente sou eu!
                 Peter continuou mudo.
                 — O segredo é saber como morrer — prosseguiu Mal’akh. — Os maçons entendem isso. — Ele
          apontou  para  o  altar.  —Vocês  reverenciam  os  antigos  princípios,  mas,  apesar  disso,  são  covardes.
          Entendem  o  poder  do  sacrifício,  mas  mantêm  uma  distância  segura  da  morte,  encenando  seus
          assassinatos de mentira e seus rituais sem sangue. Hoje à noite, este altar simbólico irá testemunhar
          seu verdadeiro poder... e seu verdadeiro objetivo.
                 MaI’akh estendeu o braço e agarrou a mão esquerda de Peter Solomon, pressionando em sua
          palma o cabo da faca da Akedah. A mão esquerda serve às trevas. Isso também havia sido planejado.
          Peter não teria escolha. Mal’akh não conseguia imaginar sacrifício mais potente e mais simbólico do
          que um feito naquele altar, por aquele homem, com aquela faca cravada no coração de uma oferenda
          cuja carne mortal estava envolta, como um presente, numa mortalha de símbolos místicos.
                 Ao  entregar  a  si  mesmo,  Mal’akh  garantiria  seu  lugar  na  hierarquia  dos  demônios.  O  poder
          residia nas trevas e no sangue. Os antigos sabiam disso: os adeptos escolhiam seu lado cada qual de
          acordo com sua natureza. Mal’akh tinha feito uma escolha sábia. O caos era a lei natural do Universo. A
          indiferença era o que impulsionava a entropia. A apatia do homem era o solo fértil no qual os espírito
          obscuros plantavam suas sementes.
                 Eu os servi, e eles me receberão como um deus.
                 Peter não se mexeu. Simplesmente baixou os olhos para a faca ancestral em sua mão.
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