Page 10 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Não parecia ter ninguém. O silêncio era tumular. A curiosidade de
                  Polly resolveu a indecisão: soprando a chama da vela, ela entrou no quarto
                  estranho, quietinha como um camundongo.

                         O local tinha naturalmente a forma de sótão, mas estava arrumado
                  como  uma  sala  de  estar.  Não  havia  canto  de parede  sem  estantes,  e  não
                  havia  canto  de  estante  que  não  estivesse  atulhado  de  livros.  O  fogo
                  crepitava na lareira; era um verão muito frio, como você se lembra. Diante
                  do fogo estava uma poltrona alta. Entre a poltrona e Polly, enchendo quase
                  a  metade  da  sala,  havia  uma  mesa  enorme,  repleta  de  objetos  –  livros,
                  cadernos  grossos,  vidros  de  tinta,  canetas,  um  microscópio.  Mas  o  que
                  Polly notou em primeiro lugar foi uma bandeja de madeira contendo um
                  certo número de anéis. Os anéis estavam colocados em pares – um amarelo
                  e um verde juntos, um pequeno espaço, depois outro anel amarelo com um
                  anel verde. Não eram maiores do que os anéis comuns, e era impossível
                  deixar de olhar para eles, pois eram muito brilhantes e bonitos.

                         A sala estava tão quieta que se percebia logo de entrada o tique-taque
                  do relógio. Mas, notava-se agora, não era tão quieta assim. Havia no ar um
                  ligeiro, um muito ligeiro zumbido. Se os aspiradores de pó já tivessem sido
                  inventados, Polly imaginaria que se tratava do ruído de um aspirador de pó
                  funcionando lá longe, bem longe. O som era mais agradável do que o de
                  aspirador, mais musical, mas era tão leve que mal se podia ouvir.

                         – Tudo bem – disse Polly –, não tem ninguém aqui. – Ela passou a
                  cochichar. Digory também entrou, piscando o olho, sujo pra valer... Polly
                  também não estava nada limpa.
                         – Não estou gostando disso – falou Digory. – Não é uma casa vazia
                  coisa nenhuma. É melhor a gente cair fora antes que chegue alguém.

                         – Que é isso? – perguntou Polly, apontando para os anéis.

                         – Deixe para lá. O melhor é a gente cair...

                         Não  chegou  ao  fim.  A  poltrona  na  frente  do  fogo  moveu-se  de
                  repente e dela surgiu, como um diabo de comédia pulando de um alçapão, a
                  figura  amedrontadora  do  tio  André.  Não  estavam  mesmo  na  casa  vazia:
                  estavam na casa de Digory! No estúdio proibido!

                         –  Minha  nossa!  –  exclamaram  as  duas  crianças.  Tio  André  era
                  altíssimo e muito magro. Tinha uma cara comprida, com um nariz pontudo,
                  olhos faiscantes e uma moita de cabelos grisalhos.
                         Digory  estava  mudo,  pois  tio  André  parecia  mil  vezes  mais
                  apavorante do que antes. Polly ainda não estava tão amedrontada. Mas não
                  demorou muito, pois a primeira coisa que tio André fez foi cruzar a sala e
                  trancar  a porta.  Voltou-se,  fixou  as  crianças  com  seus olhos faiscantes e
                  sorriu, mostrando todos os dentes.
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