Page 15 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Naturalmente – prosseguiu tio André –, durante muito tempo não
                  ousei  abrir  a  caixa.  Sabia  que  devia  estar  guardando  algo  extremamente
                  perigoso, pois a minha madrinha era de fato uma mulher fora do comum.
                  Para dizer a verdade, era uma das últimas criaturas mortais, neste país, que
                  ainda tinha nas veias sangue de fada. (Uma vez me disse que havia mais
                  duas no tempo dela: uma duquesa e uma arrumadeira.) Sério, Digory, você
                  está agora conversando com o último homem (muito provavelmente) que
                  teve  realmente  uma  fada  madrinha.  Que  tal?  É  uma  coisa  de  que  você
                  poderá se lembrar com orgulho quando tiver a minha idade.

                         “Aposto que era mais uma bruxa do que uma fada”, pensou Digory,
                  acrescentando em voz alta: – Quero é saber de Polly.

                         – Que mania de bater sempre na mesma tecla! – exclamou tio André.
                  –  Como  se  isso  fosse  a  coisa  importante!  Minha  primeira  iniciativa  foi,
                  naturalmente, estudar a própria caixa. Era muito antiga. já bem sabia que
                  não era grega, nem egípcia, nem babilônica, nem hitita, nem chinesa. Era
                  mais  antiga do  que essas nações.  Ah,  que  dia  fabuloso  quando descobri,
                  afinal, a verdade! A caixa viera da Atlântida, quer dizer, era séculos mais
                  velha do que essas coisas da Idade da Pedra que costumam desenterrar aí
                  na  Europa.  Não  era  uma  coisa  rústica  como  aquelas  outras.  Pois  já  na
                  aurora do tempo a Atlântida era uma grande cidade, com palácios, templos
                  e homens cultos.

                         Fez uma pausa como se esperasse algum comentário de Digory. Mas
                  este, que de minuto a minuto estava gostando menos do tio, não disse nada.
                  Tio André retomou a palavra:
                         – Enquanto isso, eu estava aprendendo um bocado sobre magia em
                  geral (não seria conveniente contar isso a uma criança). Enfim, cheguei a
                  ter uma boa noção das coisas que podiam existir dentro da caixa. Depois a

                  de  vários  estudos,  fui  apertando  o  cerco.  E  claro:  tive  de  conhecer
                  algumas...  bem...  algumas  pessoas,  digamos,  à  margem  da  sociedade...
                  Passei por algumas experiências muito, muito desagradáveis. Foi por isso
                  que fiquei de cabelos brancos. Mas ninguém pode virar feiticeiro sem pagar
                  um preço. Acabei perdendo a saúde. Mas melhorei. E acabei conhecendo o
                  segredo.
                         Embora não houvesse a menor possibilidade de que alguém pudesse
                  escutá-los, tio André inclinou-se e cochichou:

                         – A caixa da Atlântida continha certa coisa que fora trazida de outro
                  mundo, quando o nosso mundo mal começava!...

                         – Que coisa? – perguntou Digory, que mesmo sem querer já estava
                  curioso.
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