Page 14 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Bom – respondeu o tio, estalando os dedos –, isso depende do que
você chama de errado. As pessoas são tão quadradas! Sem dúvida, ficou
bastante esquisita nos seus últimos tempos. Não tinha muito juízo. Foi por
isso que a prenderam.
– Num hospício?
– Não! Que é isso?! De maneira nenhuma! Só na cadeia.
– Ah, sim.. Por quê?
– Ah, coitadinha – respondeu tio André –, andou agindo mal. Tanta
coisa! Mas não vamos falar nisso. Sempre foi muito boazinha para mim!
– Escute, tio, que tem a ver uma coisa com a outra? Quero saber se
Polly...
– Tudo a seu tempo, rapaz. Eu era uma das poucas pessoas que
minha madrinha gostava de ver quando adoeceu gravemente. Ela não se
dava com as pessoas comuns, ignorantes, entende? Também eu sou assim.
Mas ambos nos interessávamos pelas mesmas coisas. Poucos dias antes de
morrer, ela me disse para ir buscar em sua casa uma pequena caixa, que ela
guardava numa velha escrivaninha. No momento em que toquei na caixa já
senti, pelo formigamento dos meus dedos, que tinha nas mãos um vasto
segredo. Deu-me a caixa e tive de fazer-lhe uma promessa: logo que ela
morresse, tinha de queimar tudo, sem abrir, depois de certas cerimônias.
Não cumpri minha promessa.
– Não diga! Foi muito feio de sua parte! – exclamou Digory.
– Feio? – perguntou tio André, muito admirado. – Ah, estou
entendendo. Está querendo dizer que os meninos devem cumprir suas
promessas. Muito bem, estou gostando de ver. Mas também deve admitir
que essas regras morais, embora excelentes para as crianças... e para a
criadagem... e para as mulheres... e para as pessoas em geral... não podem
ser aplicadas aos grandes estudiosos, aos grandes sábios, aos grandes
pensadores. Não, Digory! Homens como eu, conhecedores da sabedoria
oculta, não estão amarrados a essas regras vulgares... do mesmo modo
como estamos distanciados dos prazeres vulgares. Nosso destino, meu
filho, é solitário, mas está acima de tudo.
Suspirou e assumiu uma expressão tão grave, tão nobre, tão
misteriosa, que por um instante Digory chegou a pensar que ele dissera
alguma coisa muito profunda. Lembrou-se porém da cara feia do tio um
momento antes de Polly sumir, e as palavras perderam a eloqüência.
Pensou: “Ele está querendo dizer é que pode fazer tudo o que quiser para
obter tudo o que desejar.”