Page 17 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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pode ser meu tio, mas procedeu como um covarde, mandando uma menina
                  para um lugar aonde o senhor não tem coragem de ir.

                         – Bico calado! – ordenou tio André, dando um tapa na mesa. – Não
                  admito que um fedelho fale comigo dessa maneira. Você não entende nada.
                  Eu  sou  o  grande  mestre,  o  mago,  o  iniciado,  o  que  está  realizando  a
                  experiência. É claro que preciso de material para executá-la. Daqui a pouco
                  você vai me dizer que deveria ter pedido licença aos porquinhos-da-índia
                  antes de usá-los. Nenhuma alta sabedoria pode ser atingida sem uma dose
                  de  sacrifício.  Mas  a  idéia  de  que  o  sacrificado  deva  ser  eu  mesmo  é
                  completamente ridícula. É como pedir a um general para lutar como um
                  soldado raso. Suponhamos que eu morresse... Que seria do trabalho de toda
                  a minha vida?

                         – Olhe, é melhor acabar com esse papo – interrompeu Digory. – O
                  senhor vai trazer Polly de volta?

                         –  Já  ia  dizer-lhe,  quando  você  me  interrompeu  com  os  seus  maus
                  modos, que descobri afinal a maneira de fazer a viagem de volta. Os anéis
                  verdes são capazes disso.
                         – Mas Polly não levou nenhum anel verde.

                         – É, não levou – disse tio André, com um sorriso maldoso.

                         – Se não levou, não poderá voltar! – gritou Digory. – É como se o
                  senhor  a  tivesse  assassinado.  –  Poderá  voltar  se  alguém  for  buscá-la,
                  usando também um anel amarelo e levando consigo dois anéis verdes, um
                  para si, outro para ela.

                         Digory  percebeu  que  tinha  caído  numa  armadilha.  Ficou  olhando
                  para  o  tio  André,  estarrecido,  boquiaberto.  As  bochechas  passaram  do
                  vermelho  ao  pálido.  Tio  André  continuou,  agora  num  tom  forte  e  alto,
                  como se fosse um tio perfeito que tivesse dado ao sobrinho um dinheirinho
                  e um bom conselho:

                         –  Espero,  Digory,  que  você  não  acene  agora  a  bandeira  branca.
                  Ficaria muito triste se uma pessoa de nossa família não tivesse a honra e a
                  nobreza de socorrer uma dama em... em perigo.
                         – Oh, cale a boca! – gritou Digory. – Se o senhor tivesse um pingo
                  de honra, iria o senhor mesmo. Mas sei que não tem. Está bem. Já vi que
                  tenho  de  ir.  Só  que  o  senhor  é  um  monstro.  Tudo,  tudo  cruelmente
                  planejado: ela foi sem saber de nada, e agora tenho de ir buscá-la.

                         – É claro – comentou tio André, com seu odioso sorriso.

                         – Pois muito bem: eu vou. Mas tem uma coisa que faço questão de
                  dizer antes de ir: até hoje não acreditava em magia. Agora sei que existe.
                  Sendo assim, acho que os velhos contos de fada são todos mais ou menos
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