Page 204 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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                                                   UMA AVENTURA NA NOITE




                        Era quase meio-dia quando Shasta acordou, na manhã seguinte, com
                  uma coisa cálida e macia mexendo no seu rosto. Ao abrir os olhos deu com
                  a  cara  comprida  de  um  cavalo.  Lembrou-se  dos  acontecimentos
                  emocionantes da véspera e sentou-se. Sentou-se e gemeu.
                        - Ai! Bri, estou todo dolorido. Nem dá para mexer o corpo.

                        - Bom  dia,  baixinho.  Achei  mesmo  que  você  podia  estar  meio
                  emperrado.  Não  pode  ser  dos  tombos:  caiu  somente  umas  dez  vezes,  e
                  muito bem, em cima de relvas tão macias que até dava gosto. Você está
                  sentindo é a própria cavalgada. Que tal se comesse alguma coisa? Por mim,
                  já estou satisfeito.

                        - Comer coisa nenhuma, deixe isso pra lá, deixe tudo pra lá. Mal posso
                  me mexer!

                        Mas o cavalo continuou a cutucá-lo bem de leve com o focinho e o
                  casco; o jeito foi levantar-se. Shasta olhou em volta: atrás deles havia um
                  pequeno bosque; à frente, a relva pintada de flores alvas descia até a beira
                  de um penhasco. Lá de baixo, bem longe, chegava amortecido o barulho
                  das  ondas.  Shasta  nunca  tinha  visto  o  mar  de  tão  alto  e  nem  havia
                  imaginado  que  ele  pudesse  ter  tantas  cores.  A  costa  estendia-se  de  cada
                  lado, um cabo depois do outro, e nas pontas via-se a espumarada explodir
                  contra os rochedos, sem barulho, por causa da distância.

                        Gaivotas  revoavam.  O  dia  era  ardente.  Mas  a  maior  diferença  para
                  Shasta estava no ar. Faltava qualquer coisa no ar. Acabou descobrindo o
                  que era: faltava cheiro de peixe. Esse ar novo era tão delicioso, que fez de
                  repente  com  que  toda  a  sua  vida  passada  ficasse  distante.  Chegou  a
                  esquecer por um momento os machucados e os músculos doloridos.
                        - Bri, você falou algo sobre comida?

                        - Falei.  Deve  haver  alguma  coisa  nas  sacolas  que  você  pendurou
                  naquela árvore, quando chegamos.

                        Examinaram as sacolas e o resultado foi animador: um pastel de carne,
                  só que um pouquinho rançoso, figos secos, um pedaço de queijo, um frasco
                  de vinho, e dinheiro - quarenta crescentes ao todo, mais do que Shasta já
                  havia visto a vida inteira.

                        Enquanto  o  menino  sentou-se  com  todo  o  cuidado,  recostando-se
                  numa árvore para comer o pastel, Bri deu algumas bocanhadas na relva, só
                  para fazer-lhe companhia.
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