Page 213 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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- Silêncio, madame, silêncio - interferiu Bri, que estava apreciando
muito a história. - Ela está narrando no mais puro estilo calormano, e
nenhum poeta oficial da corte do Tisroc o faria melhor. Rogo-lhe que
prossiga, tarcaína.
- Quando ouvi a linguagem dos homens utilizada pela minha égua -
continuou Aravis -, disse de mim para mim: “O pavor da morte
desmantelou a minha razão e me faz presa de ilusões.” E cobri-me de
vergonha, pois ninguém da minha linhagem deve temer a morte mais que à
picada de um mosquito. Voltei-me, portanto, ao sacrifício; mas Huin
aproximou-se, colocando a cabeça entre mim e a adaga, alentando-me com
as razões mais excelentes, ralhando comigo como faz a mãe com o filho.
Dessa feita meu espanto foi tão grande que esqueci de matar-me, e esqueci-
me de Achosta, dizendo: “Onde aprendeu, bicho, a usar a linguagem das
filhas dos homens?” E Huin contou-me o que é do conhecimento de toda
esta assembléia, que em Nárnia há bichos que falam. E narrou ainda como
foi roubada de lá, ainda no verdor dos anos. Falou-me também das águas de
Nárnia, dos castelos, dos grandes navios, até que eu própria lhe disse: “Em
nome de Tash, de Azaroth e de Zardena, Senhor e Senhora da Noite, sinto
em mim grande aspiração de conhecer Nárnia.” Ela respondeu: “Minha
ama, em Nárnia seria feliz, pois, nessa terra, jovem alguma é obrigada a
casar-se contra a vontade.” E, depois de termos conversado durante logo
tempo, a esperança retornou-me ao coração e alegrei-me de estar viva.
Planejamos a nossa fuga, e assim o fizemos. Voltamos para a casa paterna e
vesti as minhas roupas mais alegres; dancei e cantei diante do meu pai,
fingindo-me encantada com o matrimônio. Disse-lhe ainda: “Pai-meu-e-
deleite-dos-meus-olhos, conceda-me a permissão de ir aos bosques com
uma donzela para que eu, durante três dias, possa fazer secretos sacrifícios
a Zardena, como é o costume.” Ele respondeu: “Filha-mi-nha-e-deleite-
dos-meus-olhos, que assim o faça.” Assim que me retirei, procurei
imediatamente o mais velho dos escravos do meu pai, escriba seu, que me
pusera sobre os joelhos na tenra infância e me amava mais que ao ar e à
luz. Sob juramento de segredo, pedi-lhe que me escrevesse uma carta. Ele
chorou, implorando-me que mudasse de resolução, mas acabou dizendo:
“Ouvir é obedecer.” E fez o que eu pedira. E selei a carta e escondi-a no
seio.
- Que carta era essa? - perguntou Shasta.
- Fique calado, jovem - disse Bri -, ou você estraga a história. Ela fará
referência a essa carta no momento adequado. Prossiga, tarcaína.
- Chamei a serva que deveria acompanhar-me ao bosque para o
sacrifício e pedi-lhe que me despertasse bem cedo na manhã seguinte.
Folgamos e dei-lhe vinho para beber, ao qual havia adicionado coisas que a
fariam dormir uma noite e um dia. Assim que adormeceram todos os