Page 214 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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serviçais, levantei-me e vesti a armadura do meu irmão, conservada no meu
                  quarto em sua memória. Coloquei no cinto todo o dinheiro de que dispunha
                  e algumas jóias, abastecendo-me igualmente de alimentos. Eu mesma selei
                  a égua e iniciei a cavalgada no segundo estágio da noite. Não me dirigi para
                  os  bosques,  aonde  meu  pai  acreditava  que  decerto  eu  iria,  mas  tomei  o
                  caminho  do  norte  e  do  oriente,  que  leva  a  Tashbaan.  Por  três  dias  pelo
                  menos  meu  pai  não  me  buscaria,  ludibriado  pelas  minhas  palavras.  No
                  quarto dia chegamos à cidade de Azim Balda, que fica no cruzamento de
                  muitas estradas. De lá o correio do Tisroc - que ele viva para sempre! -
                  parte em velozes cavalos para todos os recantos do império. É privilégio
                  dos mais altos tarcaãs utilizar esse correio. Procurei então o mensageiro-
                  chefe,  no Correio Imperial de  Azim  Balda,  e disse-lhe:  “Despachante de
                  mensagens,  eis  aqui  uma  carta  do  meu  tio  Achosta  Tarcaã  para  Kidrash
                  Tarcaã,  Senhor  de  Calavar.  Tome  cinco  crescentes  e  que  a  mensagem
                  chegue  ao  destinatário.”  Respondeu  o  mensageiro:  “Ouvir  é  obedecer.”
                  Essa carta fora escrita como se fosse de Achosta, e o seu conteúdo era o

                  seguinte: “De Achosta Tarcaã para Kidrash Tarcaã, com reverência e votos
                  de paz. Em nome de Tash, o irresistível, o inexorável. Que seja do vosso
                  conhecimento que, ao empreender minha jornada até a vossa mansão, a fim
                  de satisfazer o contrato de matrimônio entre mim e a vossa filha, Aravis
                  Tarcaína, foi da vontade do destino e dos deuses que eu deparasse com ela
                  na floresta, já ao fim dos ritos e sacrifícios a Zardena, de acordo com o
                  costume das donzelas. Ao saber quem era a jovem, transtornado por sua
                  beleza  e  compostura,  incendiei-me  nas  labaredas  do  amor,  e  pareceu-me
                  que  o  Sol  ficaria  escuro  aos  meus  olhos,  caso  as  nossas  bodas  não  se
                  realizassem naquele mesmo momento. Assim sendo, dispus os sacrifícios
                  exigidos e casei-me com a vossa filha na hora mesma em que a encontrei.
                  Com  ela,  pois,  regressei  ao  meu  lar.  Ambos  rogamos  agora  pela  vossa
                  urgente presença, a fim de que possamos desfrutar da graça do vosso rosto
                  e da vossa palavra. E para que me oferteis igualmente o dote de vossa filha,
                  o  qual,  em  face  de  meus  compromissos  e  de  minhas  grandes  despesas,
                  solicito sem delongas. E como somos, vós e eu, como dois irmãos, bem
                  certo  estou  de  que não provocará  a vossa  ira o intempestivo  das  minhas
                  núpcias, ato pelo qual se responsabiliza inteiramente o amor que me moveu
                  à vossa filha. Recomendo-vos à proteção de todos os deuses”. Feito tudo
                  isso, saí a galope de Azim Balda, sem temer qualquer perseguição, certa de
                  que meu pai, ao receber aquela carta, enviaria mensagem a Achosta, ou iria
                  pessoalmente; assim, quando a verdade fosse descoberta, estaria eu além de
                  Tashbaan. Esta é a minha história até a noite em que fui perseguida pelos
                  leões e me encontrei com vocês em um braço de mar.
                        - E  que  aconteceu  com  a  moça...  a  moça  do  vinho  com  coisas?  -
                  perguntou Shasta.
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