Page 212 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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                                                    ÀS PORTAS DE TASHBAAN





                        Disse a menina:

                        - Meu nome é Aravis Tarcaína e sou a única filha de Kidrash Tarcaã,
                  que é filho de Rishti Tarcaã, filho de Kidrash Tarcaã, filho de Ilsombreh
                  Tisroc, filho de Ardeeb Tisroc, que descendia diretamente do deus Tash.
                  Meu pai é o senhor da Província de Calavar, e lhe é concedido o direito de
                  permanecer calçado quando está na presença do próprio Tisroc - que ele
                  viva para sempre! Minha mãe - que chova sobre ela a bênção dos deuses - é
                  falecida, e meu pai casou-se pela segunda vez. Um de meus irmãos pereceu
                  num combate contra os rebeldes, e o outro é ainda uma criança. Sucede que
                  a esposa do meu pai, minha madrasta, me odiava, e escuro era o sol a seus
                  olhos enquanto morei na casa paterna. Assim posto, ela persuadiu o meu
                  pai  a  prometer-me  em  casamento  a  Achosta  Tarcaã.  Acontece  que  esse
                  Achosta é de origem plebéia, apesar de ter obtido, nestes últimos anos, o
                  favor do Tisroc - que ele viva para sempre! -, por artes de lisonja e maus
                  conselhos;  só  assim  foi  feito  tarcaã  e  senhor  de  muitas  cidades,  e  não  é
                  impossível que seja escolhido grão-vizir, quando morrer o atual. Além do
                  mais, tem pelo menos uns sessenta anos de idade, é corcunda e parece um
                  orangotango. Mesmo assim, meu pai, por força da fortuna e do poder desse
                  Achosta, e persuadido pela mulher, enviou mensageiros que me ofertaram
                  em  casamento;  a  oferta  foi  aceita,  e  Achosta  comprometeu-se  a  casar
                  comigo ainda no verão deste ano.

                        “Quando  as  novas  chegaram  a  meus  ouvidos,  escuro  se  fez  o  sol  a
                  meus olhos; recolhi-me ao leito e chorei durante um dia. No segundo dia,
                  no entanto, levantei-me e lavei o rosto; mandei selar a minha égua Huin e
                  saí sozinha a cavalgar, levando comigo a adaga afiada que meu irmão usara
                  na  guerra.  Quando  perdi  de  vista  a  mansão  de  meu  pai  e  cheguei  a  um
                  bosque relvado, sem moradia de homem, apeei e retirei a adaga. Abri as
                  minhas vestes onde julgava ser o caminho mais certo ao coração e implorei
                  a todos os deuses que me conduzissem para junto de meu irmão, tão logo
                  me fosse. Fechei os olhos, cerrei os dentes, preparando-me para enterrar a
                  adaga no peito. Antes que o fizesse, esta égua falou, com a mesma voz das
                  filhas  dos  homens.  Falou  e  disse:  “Minha  ama,  não  se  destrua,  pois,  se
                  viver, ainda poderá alcançar o favor do destino; mas os mortos são iguais a
                  todos os mortos.”

                        - Não falei tão bonito assim - murmurou a égua.
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