Page 269 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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cabana  na  qual  pudesse  pedir  abrigo  e  comida.  Lembrou-se,  é  claro,  de
                  retornar à casa do eremita, mas já não tinha a menor idéia da direção. A
                  estrada deveria ir para algum lugar.

                        Sim, mas isso depende do que chamamos de algum lugar. A estrada
                  no  caso  seguia  entre  as  matas  mais  espessas,  sempre  mais  frias.  Ventos
                  gelados  continuavam  a  impelir  blocos  de  névoa  sobre  Shasta  sem  parar.
                  Não estando acostumado aos lugares montanhosos, ignorava que estava a
                  uma grande altitude, talvez já no alto da picada.

                        “Devo ser o cara mais desgraçado de todo o mundo”, pensou. “Tudo
                  dá certo com os outros, comigo nunca. Os nobres e as damas de Nárnia
                  conseguiram fugir de Tashbaan; eu fiquei lá. Aravis, Bri e Huin estão no
                  bem-bom com o velho eremita; fui o único a ter de sair. O rei Luna e sua
                  gente estão a salvo no castelo, com os portões bem fechados, mas eu fiquei
                  de fora.”

                        Teve tanta pena de si mesmo que as lágrimas começaram a deslizar
                  por seu rosto.
                        Um susto interrompeu os seus tristes pensamentos. Alguém ou alguma
                  coisa caminhava a seu lado. Nas trevas não podia ver nada. E a coisa (ou
                  pessoa) ia tão silenciosamente que ele mal podia ouvir suas pisadas. Ouvia,
                  sim,  uma  respiração:  o  invisível  companheiro  de  fato  respirava  com
                  vontade; devia ser uma criatura enorme. Foi um grande choque.

                        Relampejou na sua cabeça uma lembrança: ouvira dizer que existiam
                  gigantes nos países do Norte. Mordeu os lábios, apavorado. Mas, agora que
                  tinha um motivo real para chorar, parou de chorar.

                        A  coisa  (se  é  que  não  era  uma  pessoa)  ia  tão  silenciosa  que  talvez
                  fosse mera imaginação. Já estava certo disso, quando ouviu ao seu lado um
                  suspiro  grande  e  profundo.  Não  era  imaginação!  O  fato  é  que  sentiu  o
                  hálito quente desse longo suspiro na mão direita.

                        Se  o  cavalo  fosse  mesmo  bom  -  ou  se  ele  soubesse  como  fazer  o
                  cavalo tornar-se bom - teria arriscado tudo numa corrida desabalada. Como
                  isso  não  era  possível,  seguiu  a  passo,  com  o  companheiro  invisível
                  caminhando e respirando a seu lado. Acabou não agüentando mais:

                        - Quem é você? - murmurou baixinho.
                        - Alguém que esperava por sua voz - respondeu a coisa. O tom não era
                  alto, mas amplo e profundo.

                        - Você é... um gigante?

                        - Pode  me  chamar  de  gigante  -  disse  a  grande  voz.  -  Mas  não  me
                  pareço com as criaturas que você chama de gigantes.

                        - Não consigo vê-lo - falou Shasta, depois de muito tentar. Uma coisa
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