Page 270 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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terrível  lhe  passou  pela  cabeça.  Com  a  voz  quase  trêmula  de  choro,
                  perguntou:

                        - Você  não  é...  não  é  uma  coisa  morta...  é?  Vá  embora,  por  favor.
                  Nunca lhe fiz mal. Ó, sou o sujeito mais desgraçado do mundo!

                        Sentiu novamente o hálito quente da coisa no rosto e na mão.

                        - Morto não respira assim. Pode me contar as suas tristezas, rapaz.
                        O hálito deu a Shasta um pouco mais de confiança. Contou então que
                  jamais conhecera pai e mãe, que fora criado por um pescador muito severo.
                  Contou sobre como fugira, sobre os leões que os perseguiram, os perigos
                  em Tashbaan, a noite entre os túmulos, as feras que uivavam no deserto, o
                  calor  e  a  sede  durante  a  caminhada,  e  o  outro  leão  que  surgiu  quando
                  estavam quase chegando, Aravis ferida... Contou, por fim, que estava com
                  fome, pois não comia nada havia muito tempo.

                        - Não acho que seja um desgraçado - disse a grande voz.

                        - Mas não foi falta de sorte ter encontrado tantos leões?

                        - Só há um leão - respondeu a voz.

                        - Não estou entendendo nada. Havia pelo menos dois naquela noite...
                        - Só há um leão, mas tem o pé ligeiro.

                        - Como sabe disso?

                        - Eu sou o leão.
                        Shasta escancarou a boca e não disse nada. A voz continuou:

                        - Fui eu o leão que o forçou a encontrar-se com Aravis. Fui eu o gato
                  que o consolou na casa dos mortos. Fui eu o leão que espantou os chacais
                  para que você dormisse. Fui eu o leão que assustou os cavalos a fim de que
                  chegassem a tempo de avisar o rei Luna. E fui eu o leão que empurrou para
                  a praia a canoa em que você dormia, uma criança quase morta, para que um
                  homem, acordado à meia-noite, o acolhesse.

                        - Então foi você que machucou Aravis?

                        - Fui eu.

                        - Mas por quê?!
                        - Filho! Estou contando a sua história, não a dela. A cada um só conto
                  a história que lhe pertence.

                          - Quem é você?

                        - Eu mesmo - respondeu a voz, com uma entonação tão profunda que
                  a terra estremeceu. E de novo: - Eu mesmo - com um murmúrio tão suave
                  que  mal  se  podia  perceber,  e  parecia,  no  entanto,  que  esse  murmúrio
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