Page 376 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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assustados e precipitaram-se para as armas. Lá embaixo, no Grande Rio,
                  onde o frio era intenso naquela hora, as cabeças e os ombros das ninfas e a
                  grande cabeça barbuda e coroada de junco do deus do rio emergiram da
                  água. Mais longe, em todos os campos e nos bosques, as orelhas atentas
                  dos coelhos saíram das tocas, as aves sonolentas retiraram as cabeças de
                  debaixo  das  asas,  as  corujas  piaram,  as  raposas  ganiram,  os  porcos-
                  espinhos  grunhiram,  as  árvores  estremeceram.  Nas  cidades  e  aldeias,  as
                  mães, com olhos rasgados de espanto, apertaram os filhinhos ao peito, os
                  cães  latiram,  os  homens  levantaram-se  às  pressas  em  busca  de  uma  luz.
                  Muito  ao longe,  na  fronteira norte, os gigantes  da  montanha espreitaram
                  pelos portões sombrios de seus castelos.

                         O que Lúcia e Susana viram foi uma coisa indefinida e escura que
                  avançava para elas dos quatro pontos cardeais. Pareceu-lhes a princípio um
                  nevoeiro  negro  e  rastejante,  depois  ondas  enormes  de  um  mar  negro
                  crescendo, até que por fim compreenderam que era a floresta em marcha.
                  Todas  as  árvores  do  mundo  pareciam  precipitar-se  para  Aslam.  Mal  se
                  aproximavam,  no  entanto,  já  não  eram  árvores.  Quando  se  juntaram  ao
                  redor  dele,  fazendo  mesuras  e  reverências  e  acenando  com  seus  braços
                  longos  e  finos,  o  que  Lúcia  viu  foi  uma  multidão  de  formas  humanas.
                  Pálidas  bétulas-meninas  balançavam  a  cabeça;  salgueiros-mulheres
                  afastavam  os  cabelos  do  rosto  ensimesmado  para  olharem  Aslam;  faias
                  majestosas  adoravam-no  imóveis;  e  havia  carvalhos  felpudos,  olmos
                  esguios  e  melancólicos,  azevinhos  desgrenhados  (eles  próprios  escuros,
                  mas suas mulheres lindas, enfeitadas com frutinhas), e as alegres sorveiras.
                  Todos se inclinavam e se erguiam de novo aos gritos de “Aslam, Aslam”,
                  nas suas vozes variadas: roucas, rangentes ou ondulantes.

                         A multidão era tão densa e o bailado tão rápido (porque de novo as
                  árvores  começaram  a  bailar),  que  Lúcia  ficou  tonta.  E  nunca  chegou  a
                  perceber de onde vieram os bailarinos, que em breve cabriolavam por entre
                  as  árvores.  Um  deles  era  um  jovem,  vestido  com  uma  pele  de  corça  e
                  trazendo uma coroa de parreira nos cabelos encara-colados. Se não fosse a
                  expressão selvagem  que o animava, o rosto teria sido quase belo demais
                  para um rapaz. Na presença dele, sentia-se, como disse Edmundo dias mais
                  tarde, ao vê-lo:

                         – Aí está um sujeito capaz de fazer qualquer coisa!...

                         Parecia ser conhecido por muitos nomes, dentre os quais Bromios,
                  Bassareus  e  Áries.  Acompanhava-o  um  grupo  de  moças,  tão  estouvadas
                  quanto ele. E, coisa estranha, por fim apareceu até alguém montado num
                  burro. Todos se puseram a rir e gritar:

                         – Euan, euan, ê-oooi!
                         – Isto é uma brincadeira, Aslam? – perguntou o jovem.
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