Page 377 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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E bem podia ser. Mas cada um parecia ter uma idéia diferente sobre
                  do que estavam brincando. Era muito semelhante a cabra-cega, só que se
                  comportavam como se todos tivessem os olhos vendados. Lembrava o jogo
                  do  chicote-queimado,  mas  nunca  ninguém  encontrava  o  chicote.  E  ficou
                  impossível  definir  a  brincadeira  quando  o  homem  velho  e  imensamente
                  gordo, montado no burro, de repente começou a gritar: “Bebidas! Hora das
                  bebidas!,” e pulou do burro. Os outros voltaram a colocá-lo em cima do
                  animal,  enquanto  este,  julgando-se  num  circo,  fazia  exibições  sobre  as
                  patas  traseiras.  Ramos  de  videira  iam  aparecendo  em  profusão  cada  vez
                  maior. Eram videiras mesmo, que se enroscavam pelas pernas do povo da
                  floresta.  Lúcia  levou  a  mão  à  cabeça  para  puxar  os  cabelos  para  trás  e
                  verificou que puxava um ramo de videira. O burro também estava envolto
                  em vides e tinha a cauda toda emaranhada. De suas orelhas pendia alguma
                  coisa escura. Lúcia olhou atentamente e viu que era um cacho de uvas. E,
                  logo em seguida, quase nada restava do burro: só havia cachos, da cabeça
                  aos pés.

                         – Bebidas! Bebidas! – gritava o velho.

                         Todos  se  puseram  a  comer,  e  tenho  certeza  de  que  você  nunca
                  provou  uvas  tão  boas:  firmes  e  rijas  por  fora,  mas  que  explodiam  numa
                  fresca  doçura  quando  postas  na  boca.  Eram  daquelas  uvas  que  Susana e
                  Lúcia nunca se cansavam de comer e que raramente tinham comido antes.
                  Havia uvas aos montes, mais do que se poderia desejar, e absolutamente
                  nada de boas-maneiras. Ecoavam gritos e gargalhadas, até que de repente
                  sentiram que a brincadeira (fosse ela qual fosse) e a festa tinham chegado
                  ao fim. Sentaram-se cansados, voltados para Aslam, à espera de ouvir o que
                  ele ia dizer. Nesse momento, o sol começou a despontar. Lembrando-se de
                  algo, Lúcia disse para Susana:

                         – Já sei quem eles são!

                         – Eles, quem?
                         – O rapaz de expressão selvagem é Baco; o velho é Sileno. Não se
                  lembra de que o Sr. Tumnus nos falou deles... há muitos anos?

                         – É mesmo, é verdade, mas, Lu...

                         – Mas o quê?

                         – Se Aslam não estivesse aqui, não me teria sentido lá muito segura
                  com Baco e suas estouvadas companheiras.
                         – Nem eu!
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