Page 399 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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mais  insípida do  que  a  história  mais  verdadeira que  se  possa imaginar e
                  muito menos verdadeira do que o mais apaixonante conto de aventuras.

                         – Goendolina, se continuar olhando para fora e não prestar atenção,
                  dou-lhe um castigo! – disse a professora.

                         – Por favor... – disse Goendolina.

                         – Ouviu ou não ouviu o que eu disse?
                         – Mas, professora – insistiu Goendolina – lá fora tem um leão!

                         –  Em  vez  de  um,  vou  lhe  dar  dois  castigos,  para  você  não  dizer
                  bobagens. E agora...

                         Um  rugido  cortou-lhe  a  palavra.  E  a  hera  começou  a  crescer  e  a
                  enroscar-se pelas janelas da sala de aula. As paredes ficaram atapetadas de
                  um verde cintilante e o teto cobriu-se de folhas. De repente, a professora
                  percebeu que estava na floresta, numa clareira relvada. Quis agarrar-se à
                  carteira para apoiar-se e viu que esta se transformava numa roseira. Gente
                  selvagem, como ela nunca imaginara que pudesse existir, comprimia-se ao
                  redor. Ao ver o Leão, começou a gritar e a fugir, e com ela toda a classe,
                  formada  na  maior  parte  por  meninas  rechonchudas  e  de  pernas  roliças.
                  Goendolina hesitou:

                         – Quer ficar conosco, querida? – perguntou Aslam.

                         – Posso? Mesmo? Muito obrigada.
                         E imediatamente deu a mão a duas mênades, que a fizeram rodopiar
                  numa dança frenética e a ajudaram a despir parte da roupa desnecessária e
                  incômoda que trazia.

                         Por todos os lados por onde passavam, a cena se repetia. A maioria
                  das  pessoas  fugia  e  umas  poucas  juntavam-se  a  eles.  Quando  saíram  da
                  cidade formavam um grupo muito maior e mais animado.

                         Correram pelos campos planos da margem esquerda do rio. De todas
                  as quintas saíam animais que vinham ter com eles. Burros velhos e tristes,
                  que  nunca  tinham  conhecido  uma  hora  de  alegria,  rejuvenesciam  de  um
                  momento para outro; cães que estavam presos quebravam as correntes; os
                  cavalos escoiceavam até deixar as carroças em frangalhos e acompanhavam
                  o bando a galope – clope, clope, clope – , relinchando e sacudindo a lama
                  dos cascos.

                         Junto de um  poço, num  pátio,  um  homem  espancava um  rapaz.  O
                  chicote  transformou-se  numa  flor.  O  homem  tentou  soltá-la,  mas  estava
                  agarrada  à  sua  mão.  Seu  braço  transformou-se  num  ramo,  o  corpo  num
                  tronco, os pés criaram raízes. O rapaz, que há pouco chorava, desatou a rir
                  e foi com eles.
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