Page 403 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Ainda que bastasse uma gota em cada ferimento, Ripchip tinha tantos que
                  se fez um longo e pesado silêncio, até que ela finalmente acabou e o Senhor
                  Rato  saltou  da  maça.  Levou  imediatamente  a  mão  ao  punho  da  espada,
                  enquanto com a outra torcia os bigodes. Fez uma reverência.

                         – Salve, Aslam! – disse, na sua vozinha aguda. –Tenho a honra de...
                  – Mas parou de repente.

                         A  verdade  é  que  continuava  sem  cauda,  ou  porque  Lúcia  se
                  esquecera desse pormenor ou porque o bálsamo, capaz de curar as feridas,
                  não tinha o dom de fazer crescer as coisas outra vez. Foi quando fazia a
                  reverência que Ripchip tomou consciência de sua perda. Talvez porque a
                  falta de cauda lhe alterasse o equilíbrio. Olhou por cima do ombro direito.
                  Não  vendo  a  cauda,  esticou  o  pescoço  até  conseguir  voltar  os  ombros  e
                  depois  todo  o  tronco.  Mas  nessa  altura  também  as  pernas  se  voltaram  e
                  nada viu. Estendeu de novo o pescoço sem resultado. Só depois de ter dado
                  três voltas completas se apercebeu da amarga verdade.

                         –  Estou  perplexo!  —  declarou,  dirigindo–se  a  Aslam.  –  Estou
                  absolutamente  fora  de  mim.  Peço  a  sua  indulgência  pelo  fato  de
                  apresentar–me de maneira tão imprópria.
                         – Pelo contrário, até lhe fica muito bem, pequenino – disse Aslam.

                         –  Mesmo  assim,  se  se  pudesse  fazer  alguma  coisa...  talvez  Vossa
                  Majestade... – acrescentou, curvando–se para Lúcia.

                         – Mas para que você quer uma cauda? – perguntou Aslam.

                         – Senhor – replicou o rato –, é verdade que, sem ela, posso comer e
                  dormir e dar a vida pelo meu rei. Mas a cauda sempre foi a honra e a glória
                  de um rato.

                         – Parece que às vezes você se preocupa demais com a sua honra –
                  disse Aslam.
                         – Rei poderoso sobre todos os Grandes Reis –respondeu Ripchip –,
                  permita  recordar–lhe  que  a  nós,  os  ratos,  foi  dado  um  tamanho  muito
                  pequeno,  de  modo  que,  a  não  ser  que  conservemos  a  nossa  dignidade,
                  alguns dos que medem as pessoas aos palmos seriam bem capazes de se
                  permitir  brincadeiras  de  mau  gosto  às  nossas  custas.  Por  isso  é  que  não
                  perco a oportunidade de afirmar que todo aquele que não quiser sentir esta
                  espada  bem  perto  do  coração  deve  evitar,  na  minha  presença,  toda
                  referência a ratoeiras e queijo frito. Não admito, Senhor... nem ao mais alto
                  idiota de Nárnia.

                         Nesse momento, olhou furioso para Verruma; mas o gigante, sempre
                  atrasado,  ainda  não  tinha  conseguido  descobrir  o  que  se  discutia  lá
                  embaixo, de modo que não entendeu o comentário.
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