Page 446 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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sentisse o perigo perseguindo-o. A vela esticava-se toda e ficava lisa
durante um minuto, para no minuto seguinte enfunar-se bruscamente. A
menina reparava em tudo isso, perplexa com a sinistra mudança que se
havia operado, quando Drinian gritou, dominando o barulho do vento:
– Todos ao convés!
Num instante começaram todos a trabalhar freneticamente.
Fecharam-se as escotilhas, apagou-se o fogo da cozinha, e homens subiram
lá no alto para recolher a vela. Antes de acabarem, caiu sobre eles a
tempestade. Lúcia teve a impressão de que se cavara enorme vale atrás da
proa e que se precipitavam num abismo incrível. Uma grande montanha de
água, muito maior do que o mastro, arrojou-se sobre eles; a morte parecia
certa, mas foram impelidos para cima da onda. Nessa altura o navio
começou a rodopiar. No convés derramava-se uma catarata de água; a popa
e o castelo da proa pareciam duas ilhas separadas por um mar tempestuoso.
Os marinheiros esticavam-se lá no alto, tentando dominar a vela. Uma
corda arrebentada estalava com o vento, dura e rija como um cabo de ferro.
-Já para baixo, minha senhora! – bradava Drinian, e Lúcia, sabendo
que a gente da terra é um estorvo para a tripulação, tentava obedecer, mas
não era nada fácil.
O Peregrino inclinava-se terrivelmente para estibordo, e o convés
parecia o declive do telhado de uma casa. Ela teve de subir agarrada ao
corrimão, esperar um pouco, para deixar dois homens subirem, e depois
descer do melhor jeito que pôde. Foi uma sorte continuar firmemente
agarrada, pois, ao chegar ao fim da escada, atingiu-a uma onda que a
deixou ensopada. Sentindo frio, atirou-se de encontro à porta do camarote e
fechou-se lá dentro, tentando esquecer a cena do convés, a velocidade com
que corriam para a escuridão. Só não podia deixar de ouvir aquela horrível
confusão de estalos, lamentos, pancadas, bramidos e estampidos, ainda
mais alarmantes ali do que na popa.
A tempestade durou o dia todo, e o dia seguinte e mais outros.
Demorou tanto a passar que já nem se lembravam do que acontecera antes.
Havia sempre três marujos agarrados ao leme, vendo se descobriam uma
rota. Trabalhavam nas bombas sem parar. Quase não havia descanso para
ninguém. Não se podia cozinhar, nem secar roupa, um homem caíra no
mar, e o sol sumira completamente. Quando por fim veio a bonança,
Eustáquio escreveu em seu diário:
“3 de setembro. É o primeiro dia, desde há muito, em que posso
escrever. Fomos arrastados por um furacão treze dias e treze noites. Sei que
são treze porque os contei bem, embora os outros digam que foram só doze.