Page 447 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Que ótimo fazer uma viagem assim perigosa com gente que nem
sabe contar! Passei um tempo horroroso: ondas enormes, para baixo e para
cima, horas a fio, sempre molhado até os ossos, sem nunca se darem ao
trabalho de fornecer refeições decentes. Como não temos rádio, nem
foguetões, é impossível pedir socorro. Tudo isso prova o que estou sempre
proclamando, que é a maior loucura viajar numa porcaria de banheira como
esta. Já seria detestável com gente normal, o que se dirá com demônios em
forma de gente. Caspian e Edmundo são uns brutos comigo. Na noite em
que perdemos o mastro (agora só temos um toco), apesar de eu não me
sentir nada bem, obrigaram-me a subir ao convés e a trabalhar como um
escravo. Lúcia puxava pelo remo e dizia que Ripchip tinha muita vontade
de remar, mas que não podia por ser muito pequeno. Será que ela não
percebe que tudo o que esse animal faz é só para impressionar? Na idade
dela já se deve ter mais bom senso. Hoje este navio diabólico está
finalmente direito e discutimos todos o que temos de fazer. Há comida que
chega para dezesseis dias, mas é quase tudo intragável (a criação caiu toda
no mar, mas mesmo que não caísse a tempestade teria impedido que as
galinhas pusessem ovos). O pior é a água. Arrombaram-se dois barris, que
ficaram vazios (mais uma vez se põe à prova a eficiência de Nárnia). Ainda
temos água para doze dias, distribuindo rações de meia caneca a cada
pessoa. (Há ainda muito vinho, mas até eles, que não sabem nada,
compreendem que, se bebessem, ficariam ainda com mais sede.)
O mais sensato seria virarmos para leste, se fosse possível, e
voltarmos às Ilhas Solitárias. Mas levamos dezoito dias para chegar aqui,
correndo como uns loucos, impelidos por um furacão. Mesmo que
apanhássemos vento leste, demoraríamos muito tempo para regressar.
Neste momento não há qualquer sinal de vento leste... Para dizer a verdade,
não há vento nenhum. Não podemos voltar a remo, pois ainda levaria mais
tempo, e Caspian diz que os homens não podem remar com uma ração de
meia caneca de água por dia. Tentei explicar-lhe que a transpiração refresca
os corpos e que os homens não necessitariam de tanta água se
trabalhassem. Não deu a menor importância – que é a sua maneira de
proceder quando não sabe o que responder. Todos os outros votaram para
que se vá em frente, na esperança de encontrar terra. Era meu dever
chamar-lhes a atenção para o fato de não sabermos se existe terra mais
adiante e tentar fazê-los compreender os perigos da sua precipitação. Em
vez de elaborar um plano melhor, tiveram a cara de me perguntar o que eu
sugeria. Expliquei-lhes, com a minha habitual calma e firmeza, que havia
sido raptado e trazido à força para esta viagem estúpida, não sendo portanto
minha obrigação tirá-los dos apertos.
“4 de setembro. O tempo continua calmo. Rações muito pequenas
para todos e para mim menos do que para os outros. Caspian é muito