Page 461 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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asseguravam a Eustáquio que ficariam junto dele e haveriam de achar um
                  jeito para desencantá-lo. Dentro de um dia ou dois ele ficaria bem...

                         Claro, estavam todos ansiosos para ouvir a sua história, mas ele não
                  podia falar. Nos dias seguintes tentou escrever na areia, sem consegui-lo.
                  Antes  de  tudo,  Eustáquio  (como  nunca  tinha  lido  livros  adequados)  não
                  sabia contar uma história direito. Por outro lado, os músculos e os nervos
                  das patas de dragão, que teria de usar, nunca tinham aprendido a escrever,
                  nem eram feitos para escrever. Assim, antes mesmo que chegasse ao fim, a
                  maré  vinha  e  lavava  toda  a  escrita,  exceto  os  pedaços  que  ele  já  tinha
                  pisado ou que haviam sido apagados acidentalmente com a cauda. E tudo
                  quanto  conseguiram  ler  foi  o  seguinte  (os  pontos  indicam  os  espaços
                  apagados):

                         EU DORM... CAVERNA DORAG... QUERO DIZER DRAGÕES...
                  ESTAVA  MORTO  E  CHOR...  ACORDEI...  TIRAR  MEU  BRAÇO...
                  DOÍA...

                         Todos  perceberam  que  o  temperamento  de  Eustáquio  havia
                  melhorado  muito  pelo  fato  de  ter-se  transformado  em  dragão.  Estava
                  ansioso por ajudar. Voou sobre toda a ilha e descobriu que era formada só
                  por  montanhas  e  habitada  por  cabras  selvagens  e  manadas  de  porcos
                  bravos.  Trouxe  muitos  deles  para  a  provisão  do  navio.  Era  um  matador
                  bondoso, pois liquidava o animal só com uma pancada da cauda, de modo
                  que  este  não  sabia  (e  provavelmente  ainda  não  sabe)  que  tinha  morrido.
                  Claro que também comia alguma coisa, mas sempre sozinho. Como dragão,
                  apreciava  comida  crua  e  não  gostava  que  os  outros  assistissem  às  suas
                  refeições  nojentas.  Um  dia,  voando  devagar  e  com  dificuldade,  mas  em
                  grande triunfo, trouxe para o acampamento um grande pinheiro que tinha
                  arrancado pela raiz num vale distante e que podia servir de mastro.

                         Se a noite estava úmida, o que acontecia sempre depois de chuvas
                  fortes, era um conforto para todos. Sentavam-se encostados ao seu dorso
                  quente  e  ficavam  logo  aquecidos  e  secos;  uma  assopradela  de  sua
                  respiração ardente bastava para acender o fogo mais renitente.
                         Por  vezes,  levava  um  pequeno  grupo  para  voar  nas  suas  costas,  e
                  então podiam ver as encostas verdes desenrolando-se lá embaixo, os picos
                  rochosos,  os  vales  estreitos  como  poços  e,  mais  longe,  no  mar,  para  os
                  lados do oeste, um ponto azul mais escuro no azul do horizonte, que bem
                  podia ser terra.

                         O prazer (absolutamente inédito) de gostarem dele e, ainda mais, de
                  ele gostar dos outros impedia que caísse no desespero. Porque era horrível
                  ser  dragão.  Estremecia  sempre  que,  ao  voar,  se  via  refletido  num  lago.
                  Odiava as enormes asas de morcego, o dorso denteado e as ferozes garras
                  recurvadas.  Tinha  quase  medo  de  ficar  sozinho  e,  ao  mesmo  tempo,
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