Page 457 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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começou a pensar se ele próprio teria sido realmente aquela excelente
pessoa
que sempre julgara ser. Tinha saudades de ouvir o som das suas
vozes. Agradeceria agora uma palavra amável, mesmo de Ripchip.
Pensando assim, o dragão (que tinha sido Eustáquio) começou a
chorar alto. Um poderoso dragão debulhando-se em lágrimas ao luar, num
vale deserto, é uma cena rara de ver e ouvir.
Por fim resolveu voltar à praia. Compreendia agora que Caspian
jamais partiria sem ele. E tinha a certeza de que, de uma forma ou de outra,
havia de dar-lhe a entender quem era.
Bebeu demoradamente e depois (parece chocante, mas se você
pensar bem verá que não) comeu quase todo o dragão morto. Já tinha
comido mais da metade quando reparou no que estava fazendo, pois o
entendimento era de Eustáquio, mas o gosto e o aparelho digestivo
pertenciam ao dragão. E não há nada de que um dragão goste mais do que
dragão fresco. É por essa razão que raramente se encontra mais de um
dragão na mesma área.
Depois começou a subir o vale. Quando quis saltar, viu que voava.
Tinha-se esquecido completamente de que possuía asas, e foi uma grande
surpresa – a primeira surpresa agradável em muito tempo. Elevou-se no ar
e viu uma infinidade de picos de montanha, estendendo-se lá embaixo à luz
da lua. Avistou a baía como uma lousa de prata, o Peregrino da Alvorada
ancorado, a fogueira do acampamento ardendo no bosque perto da praia.
Com um simples impulso lançou-se lá do alto na direção da fogueira.
Lúcia dormia profundamente, pois ficara esperando a volta do grupo
de busca, na esperança de receber boas novas de Eustáquio. O grupo,
chefiado pelo rei, tinha regressado muito tarde e extremamente cansado.
Tinham encontrado um dragão morto no vale, mas nem sinal de Eustáquio.
Tentaram encarar a situação da melhor maneira possível e asseguravam uns
aos outros que era muito improvável existirem outros dragões por ali, e o
que morrera naquela tarde, mais ou menos às três horas (quando o tinham
encontrado), dificilmente teria matado alguém poucas horas antes.
– A menos que tenha comido o rapazinho e morrido por causa disso.
Veneno não lhe faltava – disse Rince, mas entre os dentes, e ninguém o
ouviu.
Naquela mesma noite, mais tarde, Lúcia foi acordada suavemente
por Caspian; estavam todos reunidos em torno da fogueira cochilando.
– Que há? – perguntou ela.