Page 453 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Algo rastejava – ou, pior ainda, saía do buraco.

                         Edmundo e Lúcia (e você também) teriam percebido logo o que era,
                  mas Eustáquio não tinha lido os livros que lhe convinham.

                         O ser que saía da caverna era algo que ele nunca imaginara existir –
                  focinho  comprido  cor-de-chumbo,  olhos  vermelhos  e  tristes,  sem  penas,
                  nem pêlo, corpo longo e flexível que se arrastava pelo chão, pernas com as
                  articulações mais altas que as costas (feito aranha), unhas ferozes, asas de
                  morcego raspando pelas pedras, metros de cauda. As duas linhas de fumo
                  saíam das narinas. Eustáquio nunca dissera com os seus botões a palavra
                  dragão,  mas,  se  tivesse  dito,  não  haveria  de  melhorar  a  situação.  No
                  entanto, se soubesse alguma coisa acerca de dragões, teria ficado um tanto
                  admirado com o comportamento daquele.

                         Não se sentava, agitando as asas, nem lançava torrentes de chamas
                  pela boca. O fumo que lhe saía das narinas era o de um fogo que está quase
                  apagado. Nem parecia ter reparado em Eustáquio. Andava muito devagar
                  para  a  lagoa,  parando  muitas  vezes.  Apesar  de  todo  o  medo,  Eustáquio
                  notou que se tratava de um animal velho e triste. O menino perguntava a si
                  mesmo se não era a hora de sair correndo escarpa acima. Mas, se fizesse
                  qualquer  barulho,  o  animal  poderia  virar-se.  Podia  ser  até  que  estivesse
                  fingindo. Além disso, valia a pena sair correndo de um animal que também
                  voava?
                         O  bicho  chegara  à  lagoa  e  estendia  a  queixada  escamosa  sobre  o
                  cascalho  para  beber,  mas,  antes  que  pudesse  fazê-lo,  soltou  um  grito  e,
                  depois  de  algumas  contrações  e  reviravoltas,  caiu  de  lado  e  ficou
                  completamente  imóvel,  com  as  garras  viradas  para  cima.  Da  boca
                  escancarada saía-lhe um fio de sangue escuro. O fumo das narinas ficou
                  negro um instante e desapareceu no ar. E não mais saiu.

                         Durante  muito  tempo  Eustáquio  não  teve  coragem  de  mexer-se.
                  Talvez  fosse  um  truque  do  animal.  Mas  não  podia  esperar  eternamente.
                  Aproximou-se  dois  passos,  depois  mais  dois,  parou  de  novo.  O  dragão
                  continuou imóvel, e o rapaz reparou que o fogo vermelho desaparecera de
                  seus olhos. Chegou perto. Tinha quase certeza de que estava morto. Com
                  um arrepio chegou a tocar-lhe, e nada aconteceu.

                         O alívio foi tão grande que Eustáquio quase riu alto. Começou a ter a
                  sensação de haver lutado com o dragão, de ter matado o dragão. Passou por
                  cima dele e foi beber água na lagoa, sentindo um calor insuportável. Não
                  ficou surpreso ao ouvir o barulho do trovão. O sol desapareceu daí a pouco
                  e, antes que tivesse acabado de beber, caíram grandes gotas de chuva.

                         O clima da ilha era muito desagradável. Em menos de um minuto ele
                  estava  molhado  até  os  ossos  e  meio  cego  com  a  chuvarada.  Enquanto
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