Page 456 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Mas  chorar  não  resolvia  coisa  alguma.  Tinha  era  de  tentar  passar
                  entre os dois dragões. Começou a estender o braço direito. A pata da frente
                  do dragão, à sua direita, fez exatamente o mesmo movimento.

                         Resolveu experimentar com o braço esquerdo, mas a pata do dragão
                  que estava daquele lado também se moveu. Dois dragões, um de cada lado,
                  imitando tudo o que ele fazia! Seus nervos não agüentaram mais! E ele se
                  jogou com tudo para fora.

                         Houve um barulho tal, estrondos tais, tinidos tais e um tal esmagar de
                  pedras,  quando  saltou  da  caverna,  que  julgou  que  ambos  o  perseguiam.
                  Nem  ousou  olhar  para  trás.  Correu  para  a  lagoa.  A  forma  contorcida  do
                  dragão  morto,  à  luz  da  lua,  seria  o  bastante  para  aterrorizar  qualquer
                  pessoa, mas ele nem reparou. Sua idéia era meter-se dentro da água.

                         Ao  chegar  à  beira  da  lagoa  duas  coisas  aconteceram.  Primeiro:
                  reparou que tinha corrido de gatinhas... Por que diabo agora andava assim?
                  Segundo:  ao  debruçar-se  sobre  a  água,  julgou  ver  outro  dragão  que  o
                  olhava da lagoa. De repente, apercebeu-se de toda a verdade.
                         A  cara  de dragão na  lagoa  era  o seu próprio  reflexo.  Sem  dúvida.
                  Mexia-se quando ele se mexia, abria e fechava a boca quando ele abria e
                  fechava a dele.

                         Tinha  se  transformado  num  dragão  enquanto  dormia.  Ao  dormir
                  sobre o tesouro de um dragão, com pensamentos gananciosos, típicos de
                  um dragão, ele próprio acabara se transformando em dragão.

                         Tudo estava explicado. Nunca haviam estado junto dele dois dragões
                  na caverna. As garras à sua direita e à sua esquerda eram a sua pata direita
                  e a sua pata esquerda; as duas colunas de fumo haviam saído de seu próprio
                  nariz. Quanto à dor que sentia no braço esquerdo (ou no que havia sido o
                  braço esquerdo), podia ver o que acontecera virando o olho esquerdo. O
                  bracelete, que servira tão bem no braço do rapazinho, era agora demasiado
                  pequeno para a gorda pata dianteira do dragão. Enterrava-se profundamente
                  na  carne  escamosa,  que  tinha  agora  um  inchaço  de  cada  lado  da  jóia.
                  Mordeu com os seus dentes de dragão, mas não conseguiu tirar o bracelete.

                         Apesar da dor, sua primeira sensação foi de alívio. Não precisava ter
                  medo de mais nada. Ele próprio era agora uma coisa que metia medo. Nada
                  neste mundo, exceto um cavaleiro (e nem todos!), ousaria atacá-lo. Podia
                  mesmo fazer frente a Caspian e Edmundo...

                         Ao pensar nisso, viu que não tinha vontade de fazê-lo; preferia ser
                  amigo  dos  dois.  Desejava  voltar  para  junto  dos  humanos,  falar,  rir  e
                  compartilhar com eles todas as suas coisas. Chegou à conclusão de que era
                  um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza
                  tremenda: via agora que os outros não eram tão maus como imaginara. E
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