Page 462 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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envergonhava-se  de  estar  acompanhado.  A  noite,  quando  não  servia  de
                  saco  de  água  quente,  escapava  do  acampamento  e  deitava-se  como  uma
                  serpente entre o bosque e a água.

                         Em  tais  ocasiões,  para  sua  maior  surpresa,  era  Ripchip  o  seu
                  companheiro mais fiel. O nobre rato esgueirava-se do círculo animado que
                  se  reunia  em  volta  da  fogueira  do  acampamento  e  sentava-se  junto  da
                  cabeça  do  dragão,  a  favor  do  vento,  para  não  receber  a  respiração
                  fumegante. Então explicava a Eustáquio que o que lhe acontecera era um
                  exemplo notável do girar da Roda da Fortuna; que, se Eustáquio estivesse
                  em sua casa em Nárnia (de fato, era um buraco e não uma casa, no qual
                  nem a cabeça do dragão caberia), poderia mostrar-lhe mais de cem casos
                  parecidos,  em  que  reis,  duques,  cavaleiros,  poetas,  apaixonados,
                  astrônomos, filósofos e mágicos haviam caído da prosperidade para as mais
                  desgraçadas situações, tendo muitos deles recobrado a posição anterior e
                  vivido  muito  felizes  dali  em  diante.  No  momento,  não  era  muito
                  consolador,  mas,  como  a  intenção  era  boa,  Eustáquio nunca  se  esqueceu
                  disso.

                         Mas o que pesava sobre todos como uma nuvem escura era o que
                  haveriam de fazer com o dragão, quando tivessem de partir. Tentavam não
                  falar no assunto quando ele estava por perto, mas, sem querer, ouvia frases
                  como estas: “Caberá num lado do barco? Temos de pôr toda a carga do
                  outro  para  contrabalançar”,  ou  “Poderíamos  levá-lo  a  reboque?”,  ou
                  “Poderá acompanhar-nos voando?”, e “Como haveremos de alimentá-lo?”

                         E  o  pobre  Eustáquio  compreendia  cada  vez  mais  que,  desde  que
                  entrara  no  navio,  havia  sido  um  empecilho  constante,  e  agora  era  um
                  empecilho maior. Isto lhe doía no espírito como o bracelete cravado na pata
                  dianteira. Sabia que ainda era pior roê-lo com os dentes enormes, mas de
                  vez em quando lá estava a roê-lo, especialmente nas noites muito quentes.

                         Certa manhã, Edmundo acordou muito cedo. Estava ainda escuro; só
                  se viam os troncos de árvores na direção da baía, e nada se enxergava em
                  qualquer  outra  direção.  Ao  acordar  julgou  ouvir  uma  coisa  movendo-se;
                  levantou-se  apoiando-se  num  braço  e  olhou  ao  redor:  parecia  que  uma
                  figura escura andava na parte do bosque que dava para o mar. Ocorreu-lhe
                  então  uma  idéia:  “Será  mesmo  que  não  existem  habitantes  nesta  ilha?”
                  Depois pensou que fosse Caspian (era quase da mesma estatura), mas não
                  podia ser, pois Caspian tinha adormecido ao pé dele e ainda não se mexera
                  do lugar. Certificou-se de que tinha a espada e levantou-se para investigar.

                         Desceu  sem  fazer  ruído  até  a  orla  do  bosque,  e  a  figura  escura
                  continuava no mesmo lugar. Via-se agora que era muito pequena para ser
                  de Caspian e muito grande para ser de Lúcia. Não fugiu ao vê-lo. Edmundo
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