Page 465 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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a pele senti a pior dor da minha vida. A única coisa que me fazia agüentar
                  era o prazer de sentir que me tirava a pele. É como quem tira um espinho
                  de um lugar dolorido. Dói pra valer, mas é bom ver o espinho sair.

                         – Estou entendendo – disse Edmundo.

                         – Tirou-me aquela coisa horrível, como eu achava que tinha feito das
                  outras vezes, e lá estava ela sobre a relva, muito mais dura e escura do que
                  as  outras.  E  ali  estava  eu  também,  macio  e  delicado  como  um  frango
                  depenado  e  muito  menor  do  que  antes.  Nessa  altura  agarrou-me  –  não
                  gostei muito, pois estava todo sensível sem a pele – e atirou-me dentro da
                  água. A princípio ardeu muito, mas em  seguida foi uma delícia. Quando
                  comecei  a  nadar,  reparei  que  a  dor  do  braço  havia  desaparecido
                  completamente. Compreendi a razão. Tinha voltado a ser gente. Você vai
                  me achar um cretino se disser o que senti quando vi os meus braços. Não
                  são  mais  musculosos  do  que  os  de  Caspian,  eu  sei  que  não  são  muito
                  musculosos,  nem  se  podem  comparar  com  os  de  Caspian,  mas  morri  de
                  alegria ao vê-los. Depois de certo tempo, o leão me tirou da água e vestiu-
                  me.

                         – Como?... Com as patas?
                         – Não me lembro muito bem. Sei lá, mas me vestiu com uma roupa
                  nova, esta aqui. É por isso que eu digo: acho que foi um sonho.

                         – Não, não foi sonho, não – disse Edmundo.

                         – Por quê?

                         – Primeiro: a roupa nova serve de prova. Segundo: você deixou de
                  ser dragão... Acho que você viu Aslam.

                         –  Aslam!  –  exclamou  Eustáquio.  -Já  ouvi  falar  nesse  nome  uma
                  porção de vezes, desde que estou no Peregrino. Tinha a impressão – não
                  sei por quê – de que o odiava. Mas eu odiava tudo. Aliás, quero pedir-lhe
                  desculpas. Acho que me comportei muito mal.
                         – Não tem a menor importância. Cá para nós, você foi menos chato
                  do que eu na minha primeira viagem a Nárnia. Você apenas foi um pouco
                  boboca, mas eu banquei o traidor.

                         – Bem, então não se fala mais nisso. Mas... quem é Aslam? Você o
                  conhece?

                         – Ele, pelo menos, me conhece. É o grande Leão, filho do Imperador
                  de Além-mar. Salvou a mim e a Nárnia. Nós todos o vimos. Lúcia sempre o
                  vê. Pode ser que tenhamos chegado ao país de Aslam.

                         Nenhum dos dois falou durante algum tempo. Desaparecera a última
                  estrela. Não viam o sol, mas sabiam que este surgia, pois tanto o céu quanto
                  a baía em frente se tingiam de cor-de-rosa.
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