Page 515 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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                                          O PRINCÍPIO DO FIM DO MUNDO









                         A porta abriu-se e saiu uma figura tão alta e ereta quanto a jovem,
                  mas não tão esguia. Não trazia luz, mas parecia irradiar luz. Era um homem
                  idoso. A barba prateada caía-lhe até os pés descalços, o cabelo prateado até
                  os tornozelos, e usava uma túnica que parecia feita de lã de carneiros de
                  prata.  Era  uma  figura  tão  suave  e  digna,  que  mais  uma  vez  todos  se
                  levantaram, em silêncio.

                         O  velho  passou  pelos  viajantes  sem  falar  e  foi  postar-se  na  outra
                  extremidade da mesa, diante da filha. Ambos ergueram os braços ao alto e
                  viraram a face para o Oriente. Nessa posição começaram a cantar. Gostaria
                  de  transcrever  aqui  a  música  da  canção,  mas  nenhum  dos  presentes  foi
                  capaz de se lembrar dela, mais tarde. Lúcia disse que era uma melodia alta
                  e aguda, mas muito bonita, “uma canção fria para ser cantada bem cedo”.
                  Enquanto cantavam, as nuvens cinzentas se afastavam e os clarões ficavam
                  cada vez maiores, até tudo ficar branco e o mar começar a refulgir como
                  prata. Muito mais tarde (os dois continuavam sempre cantando), o Oriente
                  começou  a  avermelhar-se  e,  por  fim,  sem  nuvens,  o  sol  surgiu  no  mar,
                  fazendo incidir seus raios na mesa, no ouro, na prata, na Faca de Pedra.
                         Já  várias  vezes  haviam  pensando  que  o  sol,  ao  nascer  naquelas
                  paragens, era maior do que em Nárnia, mas agora tinham a certeza disso. A
                  claridade que se refletia no orvalho e na mesa era muito mais intensa do

                  que em qualquer outra manhã. Como Edmundo disse mais tarde: “Apesar
                  de nos terem acontecido muitas coisas sensacionais, aquele foi o momento
                  mais perturbador.” Sabiam agora que tinham chegado ao princípio do Fim
                  do Mundo.
                         Do centro do sol saiu algo que veio voando na direção deles, mas que
                  não podiam identificar, pois não conseguiam olhar fixamente. O ar estava
                  cheio de vozes – vozes que entoavam a mesma canção de pai e filha, mas
                  de um modo mais suave, numa linguagem desconhecida. Em pouco tempo
                  apareceram os donos das vozes. Centenas e centenas de grandes pássaros
                  brancos pousavam por todos os lados: na relva, na mesa, nos ombros das

                  pessoas, nas mãos, nas cabeças, até que se teve a impressão de que caíra
                  uma grande nevasca. Lúcia, olhando por entre as asas que a cobriam, viu
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