Page 622 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– E será, meu amigo – disse a rainha numa voz ciciante, como se
                  estivesse acalmando uma criança –, será rei de muitas terras imaginárias.

                         –  Também  estivemos  lá  –  falou  Jill  com  impertinência.  Estava
                  furiosa por perceber que o feitiço ia tomando conta dela.

                         – E você também é rainha de Nárnia, não é, minha belezinha? – disse
                  a feiticeira, na mesma voz insinuante, mas meio zombeteira.

                         – Negativo – respondeu Jill, batendo com o pé. – Nós somos de outro
                  mundo.
                         –  Ah,  que  maravilha!  Diga-me,  senhorita,  onde  fica  esse  outro
                  mundo? Quais os navios e carruagens que fazem o transporte de lá para cá?

                         Uma  cachoeira  de  lembranças  caiu  sobre  Jill  :  o  Colégio
                  Experimental,  sua  casa,  aparelhos  de  rádio,  automóveis,  aviões,
                  engarrafamento, filas. Mas pareciam imagens apagadas e distantes. (Drum-
                  drim-drim,  repenicava  o  bandolim.)  Jill  não  conseguia  lembrar-se  das
                  coisas  de  nosso  mundo.  E  dessa  vez  não  lhe  ocorreu  que  estava  sendo
                  enfeitiçada, pois a magia atingira o auge. Surpreendeu-se dizendo (e era um
                  alívio dizê-lo) o seguinte:

                         – Acho que o outro mundo deve ser um sonho.

                         –  Claro.  O  outro  mundo  é  um  sonho  –  disse  a  bruxa,  sempre
                  repenicando.

                         – Um sonho – repetiu Jill.
                         –  Nunca  existiu  esse  mundo  –  disse  a  feiticeira.  Jill  e  Eustáquio
                  falaram ao mesmo tempo:

                         – Nunca existiu esse mundo.

                         – Só existe um mundo – continuou a bruxa –, o meu.
                         –  Só  existe  o  seu  mundo  –  disseram  eles.  Brejeiro  ainda  tentava
                  resistir:

                         – Não sei direito o que você entende por um mundo – disse, como
                  alguém que não respira ar suficiente. – Mas pode tocar essa rabeca até que
                  seus dedos caiam no chão; mesmo assim nunca vou me esquecer de Nárnia.
                  E nem do Mundo de Cima. Imagino que nunca mais o veremos, pois é bem
                  provável que o tenha obscurecido como fez a este mundo. Mas vou saber
                  sempre que estive lá. Já vi o céu cheio de estrelas. Já vi o Sol nascendo no
                  mar e sumindo atrás das montanhas ao cair da noite. E vi também o Sol ao
                  meio-dia, cujo brilho nos fere a vista.

                         As palavras de Brejeiro tiveram um efeito estimulante. Os outros três
                  respiraram de novo e se olharam como pessoas que despertam.
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