Page 624 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Leão, o que é um leão? – perguntou a bruxa.

                         – Ora, não amole – respondeu Eustáquio. – Não sabe? Como é que
                  eu vou descrever um leão? Já viu um gato?

                         – Claro, adoro gatos – respondeu a feiticeira.

                         – Bem, um leão é um pouquinho... só um pouquinho, hein... parecido
                  com um gato enorme com uma juba. E é amarelo. E é incrivelmente forte.
                         A feiticeira balançou a cabeça:

                         – Acho que o leão de vocês vale tanto quanto o sol. Viram lâmpadas,
                  e acabaram imaginando uma lâmpada maior e melhor, a que deram o nome
                  de  sol.  Viram  gatos,  e  agora  querem  um  gato  maior  e  melhor,  chamado
                  leão.  É  puro  faz-de-conta,  mas,  francamente,  já  estão  meio  crescidos
                  demais para isso. Já repararam que esse faz-de-conta é copiado do mundo
                  real, do meu mundo, que é o único mundo? Já estão grandes demais para
                  isso,  jovens.  Quanto  ao  meu  príncipe,  um  homem  feito,  que  vergonha!
                  Brincando depois de grande! Venham. Esqueçam essas fantasias infantis.
                  Tenho trabalho para vocês no mundo real. Não há Nárnia, não há Mundo
                  de Cima, não há céu, nem Sol, nem Aslam. Agora, cama. E vamos começar
                  vida  nova  amanhã.  Primeiro,  cama.  Dormir.  Dormir  bem,  um
                  travesseirinho macio, um sono sem sonhos bobos.

                         O  príncipe  e  as  duas  crianças  estavam  de  cabeça  caída,  as  faces
                  coradas, os olhos semicerrados; fugira-lhes toda a energia, o sortilégio era
                  quase  total.  Mas  Brejeiro,  juntando  desesperadamente  o  resto  de  suas
                  forças,  caminhou  até  a  lareira.  E  praticou  então  uma  proeza  de  rara
                  coragem. Sabia que não doeria tanto quanto em um ser humano, pois seus
                  pés (sempre nus) eram membranosos, duros e frios como pés de pato. Mas
                  sabia  que  iria  doer  bastante;  mesmo  assim  o  fez:  espezinhou  as  brasas,
                  apagando um pouco o fogo. Três coisas aconteceram.

                         Primeiro:  o  doce  e  pesado  aroma  diminuiu  muito.  O  cheiro  de
                  paulama assado, que não é inebriante, predominou na sala. O cérebro de
                  todos  ficou  mais  limpo.  O  príncipe  e  as  crianças  ergueram  as  cabeças  e
                  abriram os olhos.

                         Segundo: a feiticeira, num tom terrível, completamente diferente da
                  voz doce que havia usado até então, deu um berro:
                         –  O  que  está  fazendo?  Se  ousar  tocar  no  meu  fogo  outra  vez,
                  porcalhão imundo, vou transformar em fogo o sangue de suas veias!

                         Terceiro:  a  própria  dor  esclareceu  completamente  a  cabeça  de
                  Brejeiro, pois não há nada como um impacto doloroso para desfazer certas
                  espécies de magia.
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