Page 69 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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em mim para que eu corresse... Eu corria, corria, mas aquela coisa escura
não saía de cima de mim.
– Morango, cá para nós: a gente tinha de ganhar a vida, é ou não é?
A sua e a minha. Sem trabalhar, sem chicote, como é que podia haver
estábulo, feno, ração? Não vai negar que de vez em quando pegava a sua
raçãozinha?
– Ração? – disse o cavalo, levantando as orelhas. – Sim, tenho uma
ligeira idéia a respeito. Ah, estou me lembrando: você ficava sempre
sentado atrás de mim, e eu ia correndo na frente, puxando você e a coisa
escura. Era eu que fazia o trabalho todo.
– No verão, no verão, Morango. Trabalho duro para você e eu ali
atrás na frescata. Mas, companheiro, e quando chegava o inverno? No
inverno era você quem ficava quentinho, e eu lá atrás, gelado como um
sorvete, com o nariz no vento, com as mãos duras, que quase nem dava
para segurar as rédeas. Era ou não era?
– É uma história dura e cruel – disse Morango. – Não havia relva no
caminho: tudo pedra.
– Verdade, pura verdade, companheiro! Que mundo duro aquele!
Sempre falei que aqueles pedregulhos eram de matar o meu cavalo.
Londres. Londres é dura. Eu também não gostava nem um pouco. Você era
um cavalo do campo e eu também era um homem do campo. Eu até
cantava no coro da igreja! Mas como é que eu ia ganhar a vida lá na roça?
– Por favor, por favor – pediu Digory. – Será que não podemos ir em
frente? O Leão está cada vez mais longe. E eu tenho de falar com ele de
qualquer jeito!
– Olhe aqui, Morango – disse o cocheiro –, este jovem tem uma
coisa para conversar com o Leão, o tal de Aslam. Será que você não podia
levar ele nas costas? Ele monta com jeito, é claro. Eu e a menina seguimos
vocês.
– Montar? – perguntou Morango. – Estou me lembrando. Nas minhas
costas... Já levei algumas vezes um pequenino de duas pernas, há muito,
muito tempo. Ele costumava me dar uns quadradinhos brancos. Eram... oh,
gostosíssimos, mais doce do que grama.
– É açúcar – informou o cocheiro.
– Por favor, Morango – implorou Digory –, leve-me para falar com
Aslam.
– Está bem – respondeu o cavalo. – Uma vez ou outra, eu não me
importo. Pode montar.