Page 70 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
P. 70

– Bom Morango! – disse o cocheiro. – Espera aí, rapaz, eu dou uma
                  ajuda.

                         Digory, que já havia montado em pêlo em seu próprio pônei, sentiu-
                  se muito à vontade.

                         – Toque, Morango – disse o menino ao cavalo.

                         – Por acaso teria aí um quadradinho branco? – perguntou o animal.
                         – Lamento muito, não tenho – respondeu o menino.

                         – Que se há de fazer! – disse Morango, partindo. Nesse momento,
                  um enorme buldogue que andara farejando ruidosamente, disse:

                         – Olhem. Aquilo ali não é uma outra dessas criaturas esquisitas? Lá,
                  na beira do rio, debaixo da árvore?

                         Os animais todos olharam e viram tio André muito quietinho entre os
                  rododentros, esperando não ser descoberto.
                         – Vamos lá. Vamos ver o que é.

                         Assim,  enquanto  Morango  trotava  numa  direção  com  Digory,
                  acompanhado de Polly e do cocheiro, grande parte das criaturas corria para
                  tio André, com rugidos, latidos, grunhidos e outros ruídos animados.

                         Precisamos voltar um pouco para explicar como a cena toda parecera
                  a  tio  André.  A  impressão  que  ele  teve  foi  muito  diferente  daquela  das
                  crianças e do cocheiro. Pois o que você ouve e vê depende do lugar em que
                  se coloca, como depende também de quem você é.

                         Desde que os bichos apareceram, tio André foi se encolhendo cada
                  vez mais na moita – e, é claro, não conseguiu ver muito bem. Mas ele não
                  estava de fato interessado no que presenciava: sua única preocupação era
                  que  não  corressem  na  direção  dele.  Como  a  feiticeira,  era  um  homem
                  incrivelmente prático. Nem chegou a reparar que Aslam escolhera um par
                  de  cada  espécie  de  animal.  Tudo  o  que  viu,  ou  pensou  que  viu,  foi  um
                  bando de animais selvagens rondando por ali. E não entendia por que os
                  bichos não fugiam do Leão.

                         Quando chegou o momento solene e os bichos falaram, não percebeu
                  nada,  e  por  uma  razão  bem  interessante.  Assim  que  o  Leão  começou  a
                  cantar, ainda em meio à escuridão, tio André percebeu que o barulho era
                  uma canção, e não gostou nada.
                         A canção fazia com  que sentisse e pensasse coisas que não queria
                  sentir  nem  pensar.  Quando  o  sol  nasceu  e  viu  que  o  cantor  era  um  leão
                  (“um mero leão”, como disse para si mesmo), fez tudo para convencer-se

                  de que não havia canto algum, mas apenas rugidos, como fazem os leões
                  em nosso mundo. “Devo ter imaginado que o Leão cantava; é porque estou
   65   66   67   68   69   70   71   72   73   74   75