Page 745 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– É verdade – disse Lorde Digory. – Por dentro ele é maior do que
                  por fora.

                         – Isso mesmo – disse a rainha Lúcia. – No nosso mundo também já
                  aconteceu uma vez que, dentro de um certo estábulo, havia uma coisa que
                  era muito maior que o nosso mundo inteiro.

                         Era a primeira vez que ela falava, e, pela vibração da sua voz, Tirian
                  logo imaginou a razão. Ela estava muito mais embevecida com tudo aquilo
                  do que qualquer um dos outros. Até aquele momento estivera feliz demais
                  para falar. Tirian queria ouvir a voz dela de novo, por isso disse:

                         – Por gentileza, senhorita, conte-nos. Conte-me toda a sua aventura.
                         –  Depois  do  choque  e  do  estardalhaço  –  disse  Lúcia  –,  nos
                  encontramos  aqui.  E  ficamos  aturdidos  com  a  porta,  assim  como  você.
                  Então ela se abriu pela primeira vez (e tudo o que vimos foi a escuridão),
                  deixando passar um homenzarrão com uma espada desembainhada. Pelos
                  braços dava para ver que era um calormano. Ele se postou ao lado da porta
                  com  a  espada  erguida,  pousada  sobre  o  ombro,  pronto  para  decepar  o
                  primeiro que entrasse. Fomos ao seu encontro e falamos com ele, mas nem
                  sequer pareceu notar a nossa presença. Não se voltou uma única vez para
                  contemplar  o  céu,  a  luz  do  sol  ou  o  gramado;  até  parecia  que  nem
                  enxergava nada disso. Ficamos então esperando, durante um bom tempo.
                  Até que ouvimos a tranca abrir-se mais uma vez do outro lado da porta.
                  Mas enquanto o homem não viu quem vinha vindo, não se dispôs a usar a
                  espada. Por isso imaginamos que ele fora instruído para atacar uns e poupar
                  outros.  Porém,  no  momento  em  que  a  porta  se  abriu,  nada  mais,  nada
                  menos  que  o  próprio  Tash  apareceu  do  lado  de  cá  da  porta,  sem  que
                  nenhum  de  nós  soubesse  de  onde  ele  surgira.  E  pela  porta  entrou  um
                  enorme gato. Assim que viu Tash, ele disparou para fora, tentando salvar a

                  pele – e bem a tempo, pois Tash arremeteu-se contra ele e a porta bateu-lhe
                  no  bico,  ao  se  fechar.  Só  então  o  guarda  enxergou  Tash.  Imediatamente
                  ficou  muito  pálido  e  prostrou-se  aos  pés  do  monstro,  mas  este  se
                  desvaneceu.
                         –  Depois  disso,  esperamos  de  novo  por  mais  algum  tempo.
                  Finalmente a porta abriu-se pela terceira vez e entrou um jovem calormano.
                  Gostei dele. O homem que estava à porta ficou atônito, e pareceu muito
                  surpreso  ao  vê-lo.  Tenho  a  impressão  de  que  esperava  ver  alguém
                  completamente diferente...

                         – Agora entendi tudo! – disse Eustáquio (ele tinha a péssima mania
                  de interromper quando alguém estava falando). – O gato era quem deveria
                  entrar primeiro, e o sentinela tinha ordens para não lhe fazer mal algum.
                  Depois  o  gato  deveria  sair  e  dizer  que  havia  visto  o  abominável  Tash,
                  fingindo estar apavorado, a fim de assustar todos os animais. Mas o que
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