Page 76 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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a ferida, que a raça de Adão trabalhe para saná-la. Aproximem-se mais os
                  outros dois.

                         As  últimas  palavras  foram  dirigidas  a  Polly  e  ao  cocheiro,  que
                  acabavam de chegar. Polly, olhos e boca, contemplava Aslam, apertando a
                  mão do cocheiro com certa força. Este deu uma olhada para o Leão e tirou
                  a cartolinha; era a primeira vez que o viam sem ela. Sem chapéu, parecia
                  mais jovem e simpático, mais um camponês do que um londrino.

                         – Meu filho – disse Aslam para o cocheiro. – Há muito tempo que o
                  conheço. Você me conhece?

                         – Bem, senhor, não – respondeu o cocheiro. – Pelo menos, não no
                  sentido comum. No entanto, se me permite dizer, sinto que o conheço de
                  algum lugar.
                         – Está certo. Conhece mais do que pensa, e viverá para conhecer-me
                  ainda melhor. Gosta deste lugar?

                         – Excelente, senhor.

                         – Gostaria de viver aqui para sempre?

                         –  Bem,  o  senhor  sabe,  sou  um  homem  casado,  tenho  minhas
                  obrigações.  Mas  se  minha  mulher  estivesse  aqui,  ó,  a  gente  não  voltava
                  nunca mais para Londres. Somos do campo, senhor.

                         Aslam sacudiu a cabeça felpuda, abriu a boca e proferiu uma única
                  nota longa; não muito alta, mas cheia de poder. O coração de Polly deu um
                  salto;  só  podia  ser  um  chamado,  e,  fosse  quem  fosse  que  o  ouvisse,
                  desejaria obedecer-lhe e (mais ainda) encontraria meios para atendê-lo, não
                  importando quantos mundos se interpusessem.
                         Assim,  apesar  de  maravilhada,  não  ficou  realmente  espantada  ou
                  chocada  quando  de  súbito  uma  jovem  senhora,  com  uma  cara  boa  e
                  honesta, desceu de lugar nenhum e colocou-se a seu lado. Percebeu logo
                  que  se  tratava  da  mulher  do  cocheiro,  trazida  de  nosso  mundo  não  pela
                  força fatigante de um anel mágico, mas de maneira mais veloz, simples e
                  suave, como um pássaro que voa para o ninho. A jovem senhora, pelo jeito,
                  devia estar lavando roupa quando foi chamada, pois usava um avental, as
                  mangas do vestido estavam arregaçadas até os cotovelos, e ela tinha bolhas
                  de sabão nas mãos. Se tivesse tido tempo de colocar a roupa de domingo (e
                  seu chapéu com imitações de cerejas!), sua aparência seria de doer: daquele
                  jeito, chegava a ser elegante.

                         Pensou  que  estivesse  sonhando.  Só  por  isso  não  foi  correndo
                  perguntar ao marido o que havia acontecido. Quando viu o Leão, começou
                  a duvidar de que era um sonho, mas, surpreendentemente, não demonstrava
                  muito medo. Fez uma reverência pela metade, como as camponesas ainda
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