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STF 2ª TURMA
HOMENAGEM
Celso de Mello
Modelo para as gerações
Em 31 anos como ministro, Celso de Mello deu enorme contribuição jurídica e
humanista na reconstrução em termos democráticos do Supremo Tribunal Federal
Supremo Tribunal Federal perdeu, no dia 13 de outubro de prestigiou desde a primeira edi-
2020, o seu mais longevo ministro da era republicana. Cel- ção em 2008. Viveu só do salário
O o de Mello foi um dos primeiros ministros indicados após a de ministro e se dedicou apenas a
s
Constituição de 1988 e sua trajetória representa um marco no processo esse ofício. De saída do Supremo,
de transformação de um Supremo originário e nomeado pela ditadu- doou sua biblioteca de 12 mil tí-
ra para o Supremo gestado e alinhado com a democracia. Os 31 anos tulos a um grande amigo de sua
de atuação na mais alta corte permitiram que o ministro participasse cidade natal, Tatuí (SP).
da construção da jurisprudência vigente no tribunal, notabilizando-se Sua atuação decisória sempre
pela defesa dos direitos fundamentais e das liberdades individuais. teve marca pessoal – não gosta-
Participou de julgamentos históricos, como aqueles em que o STF va de delegar seus votos, prova
equiparou a homofobia ao crime de racismo, legalizou as uniões en- disso são as marcações únicas
tre casais homoafetivos e as equiparou às uniões estáveis, autorizou o em negrito, itálico e sublinhado
aborto em caso de anencefalia e permitiu a pesquisa de células tronco nos textos que redigia. Pouco se
em embriões. viu entrar em embates no Plená-
Foi relator do julgamento que, em 2011, autorizou a chamada “mar- rio, não era afeito a conversas de
cha da maconha”, manifestações que pedem a descriminalização da bastidores, contatos informais,
droga, um marco na defesa da liberdade de expressão e de reunião. “O especialmente diante de assun-
debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode tos que deveriam ser tratados em
ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ain- Plenário. Por outro lado, era um
da que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada fiel defensor de seus pares quando
estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”, disse. sofriam ataques vindos de fora.
“Nada mais nocivo e perigoso do que a pretensão do Estado de regu- Sempre se manifestou em defesa
lar a liberdade de expressão e pensamento”, afirmou no julgamento que de colegas de corte, dificilmente
sepultou a Lei de Imprensa, editada na ditadura militar (1964-1985). pela imprensa, mas em discurso
Celso de Mello votou contra a prisão em segunda instância nas três formal, geralmente em sessão,
vezes em que o tema esteve em julgamento no STF, em 2009, 2016 e antes dos julgamentos do dia.
2019. Apesar disso, em muitos processos da “lava jato” votou a favor de Último a se manifestar no Ple-
aplicar punições aos investigados e sempre manteve um discurso duro nário, sempre esperou a sua vez
contra a corrupção, tema que foi introduzido na pauta do Supremo de de falar e o avançado da hora ja-
forma mais incisiva com o julgamento da Ação Penal 470, também mais diminuiu sua altivez ao pro-
conhecida como “mensalão”, em 2012. ferir seus votos – longos, ricos em
Como decano por 13 anos, desde a saída, em 2007, de Sepúlveda referências históricas e com notá-
Pertence (que entrou com ele no mesmo ano de 1989), tornou-se uma vel saber jurídico.
das vozes mais respeitadas da corte. Um ministro extremamente de- Incorporou às funções de de-
dicado, afável e gentil com os colegas, mas que zelou pela discrição em cano o papel de dar recados ins-
ambientes externos. Raramente frequentava eventos sociais e não acei- titucionais em nome da corte.
tava convites para dar aulas em universidades ou palestras em even- Foi o que fez em 2018, quando o
tos. Uma exceção era o lançamento do Anuário da Justiça, que ele então comandante do Exército,
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