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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
sidade de alguma dose de pragmatismo, aprendizados e adaptações às
circunstâncias históricas e geográficas. Como exemplo, basta lembrar
que em 1918 o tratado de Brest-Litovski abriu mão de territórios de
população majoritariamente russa em favor da paz e, em 1941, o fer-
vor nacional alimentou a Guerra Patriótica, a vitória contra o nazismo
(PEREIRA, 2017). Ironicamente, o mesmo Stálin que defendeu a cons-
trução do “socialismo num só país” – não por concepção, mas por ade-
quação ao contexto, dado que não poderia desencorajar o povo soviético
diante das dificuldades – apoiou a ampliação significativa do bloco so-
viético e a difusão da revolução (Europa do Leste, Coreia, China etc.).
A própria conformação territorial e administrativa da URSS teve
de dar respostas a problemas singulares. A solução em seu tempo foi
preservar a unidade territorial, garantindo as fronteiras e o poder na-
cional do novo Estado, mas sob novas estruturas políticas numa Repú-
blica Federada (Repúblicas Autônomas, Regiões Autônomas, Comarcas
Autônomas e Unidades Administrativas). O socialismo soviético trans-
cendeu o conceito de nação europeu ao incorporar diversas identidades
ao seu projeto de Estado, promovendo a unidade nacional e a diversi-
dade de culturas regionais locais (PEREIRA, 2017). Pela consolidação
das noções de territorialidade e expressão cultural, o período soviético
despertou e promoveu diversas tendências nacionais ou étnicas – em-
bora estivesse no horizonte a formação de um povo soviético (SEGRILLO,
2000, p. 159).
Interessante salientar que não somente algumas das principais li-
deranças soviéticas sequer eram russas (incluindo os dois mais longevos
Chefes de Estado, Stálin e Brejnev, além de Kruschev, nascido na fron-
teira, mas criado na Ucrânia), como o colapso singular da URSS (HAL-
LIDAY, 1999) e a secessão territorial ocorreram sem traumas e guerras
(MORAES, 2007, p. 123-124) nem motivada pelas rivalidades nacio-
nais, até porque muitas nacionalidades, anteriormente colonizadas pelo
czarismo, passaram a fazer parte de um Estado multinacional durante o
período soviético (SEGRILLO, Ibidem). Não se trata de subestimar as
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