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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
que eles mesclam demandas por redistribuição (via superação da divi-
são social do trabalho) e reconhecimento (via superação dos processos
de desumanização); assumem prioridades distintas em cada situação
concreta no espaço e no tempo; configuram hierarquias, contradições
e conflitos de liberdades distintos; combinam questões sociais, de gê-
nero, familiar, étnico-racial e entre Estados e nações; entrelaçam lutas
de classe e entre frações de mesma classe, com níveis de compreensão e
mobilização distintos.
Segundo Losurdo (IBIDEM, p. 161), Marx e Engels, nos seus anos
de juventude, cultivaram a ilusão de que o proletariado, ao desenvolver
uma consciência revolucionária, realizaria uma revolução destinada a
emancipar não apenas sua classe, mas toda a humanidade. O nasci-
mento do imperialismo no fim do século XIX impôs uma análise mais
racional da totalidade das relações políticas e sociais nos planos nacio-
nal e internacional. A cooptação de setores do proletariado inglês e de
outros países desenvolvidos demonstrou que o processo de formação da
consciência de classe apresentava-se cada vez mais difícil . Seguindo os
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passos de Lênin, Losurdo (IBIDEM, p. 163) afirma que “a aquisição da
consciência de classe e a participação da luta revolucionária de classe
pressupõem a compreensão da totalidade social e de todos seus aspectos”.
Isto porque a ordem político-social a ser derrubada não está limitada
à exploração do proletariado dentro da fábrica, de modo que a cons-
ciência de classe revolucionária deve dar conta de “todas as relações de
coerção que constituem o sistema imperialista e capitalista” (p. 166).
Para Losurdo, o fracasso da Terceira Internacional se deveu à ela-
boração de uma leitura binária do conflito em escala mundial. Fundada
em 1919, seus estatutos aprovados no II Congresso partiam do pres-
11 Nos seus escritos mais maduros, Marx estava ciente de que a tomada de consciência da classe operária era ques-
tão muito mais complexa. “Em todos os centros industriais e comerciais da Inglaterra, existe agora uma classe ope-
rária dividida em dois campos hostis, proletários ingleses e proletários irlandeses. O operário comum inglês odeia
o operário irlandês como um concorrente que faz baixar o nível de vida. (...). Comporta-se mais ou menos como os
brancos pobres em relação aos negros nos Estados outrora escravistas da União americana. O irlandês reage na mes-
ma moeda. Ele vê no operário inglês o corresponsável do instrumento idiota da dominação inglesa sobre a Irlanda”
(MARX, 1984 apud GALISSOT, 1984, p.186). No prefácio à Situação da classe operária da Inglaterra, de 1892, Engels
(2012) faz referência a uma aristocracia operária inglesa que possuía uma ótima relação com seus empregadores e
aceitava sua posição, relativamente confortável, como algo definitivo.
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