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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
Com isso Kruschev não apenas atacou seu antecessor, mas desmontou
o pacto social fundador da revolução e da Guerra Patriótica que havia
vencido os nazistas. Ou seja, Losurdo (IBIDEM, p. 135) destaca que a
revolução avança justamente quando esta se identifica com as aspira-
ções sociais e com as causas da nação.
Aliás, os processos revolucionários transitam em um limiar tê-
nue entre a ruptura radical com o passado e o resgate das heranças cul-
turais. É nesse quadro que há a nacionalização da revolução e de seus
imperativos para a (re)construção nacional em novas bases sociais. Por
isso, a tensão entre a inspiração (por vezes acrítica, mas compreensível,
dado que era a única e até então bem-sucedida) no modelo soviético e os
desafios de aclimatação do marxismo à realidade histórico-geográfica de
cada país. Em meio às contradições dos processos emancipatórios e não
emancipatórios, a práxis de uma teoria de escopo universal em relação ao
seu fim último precisa responder a desafios locais e nacionais; precisa
assimilar a modernização e promover as culturas originárias; aprender
formas contemporâneas de arranjos institucionais e adaptá-las às parti-
cularidades de cada experiência. Nesse sentido, a práxis marxista nasce
num contexto de precário estoque de conhecimento sobre regiões ex-
traeuropeias à época de Marx e Engels, assimila os desafios de autode-
terminação na fase imperialista de Lênin; e, não sem contradição, busca
responder às especificidades das formações periféricas, com elaborações
críticas ao etnocentrismo e ao neocolonialismo, como atestam as elabo-
rações de latinos como Che, Mariátegui e Juan de Almeida Bosque (líder
negro da revolução cubana), africanos como Cabral, Machel, Sankara e
Nkrumah; e orientais como Ho Chi Minh e Mao . A título de exemplo,
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na própria China, a primeira menção à sinização do marxismo ocorreu no
7° Congresso Nacional do PCCh em 1945 (JUNRU, 2011, p. 41), mas os
esforços nessa direção seguiram com reveses e sobressaltos, passando,
por exemplo, da condenação ao resgate do confucionismo.
13 É muito interessante, aliás, a obra de Kkrumah intitulada Neocolonialismo: último estágio do Imperialismo como
um esforço autóctone de formulação. Para um balanço das contribuições de Mariátegui, Senghor e Nkrumah, ver
artigo de Mello (2016).
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