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MARXISMO E A QUESTÃO NACIONAL (...)  | PAUTASSO - FERNANDES - DORIA


                     Ter um vínculo com o lugar de origem não é suficiente para reivin-
               dicar separatismos e autodeterminação. Primeiro porque, no limite, a ori-
               gem é comum, fruto de uma longa evolução entrecruzada por migrações
               e miscigenações. Segundo porque, a depender da origem cultural, geográ-
               fica e histórica, poder-se-ia fazer uma infinidade de recortes territoriais.
               Como chamam a atenção Domingos e Martins (2007, p. 16), a “origem
               histórica” e a “tradição” são estabelecidas conforme as necessidades do
               presente e os objetivos futuros, ou seja, a tradição é cultivada (santifica-
               da) ou desprezada conforme interesses sociopolíticos, seja de preserva-
               ção, seja de quebra da ordem social. Isto é, há momentos em que a nação
               busca um Estado e outros em que o Estado visa a construções identitárias nacionais.
                     O entrelaçamento entre questão nacional e internacionalismo se
               traduz no ímpeto de apoiar as lutas de libertação nacional e, simul-
               taneamente, não exportar a revolução, impondo a outros povos soluções
               para seus problemas. É o exemplo trazido por Losurdo (2015b, p. 166),
               quando, em agosto de 1920, o Exército Vermelho avançou sobre Var-
               sóvia durante a abertura do II Congresso da Internacional Comunista.
               O avanço sobre Varsóvia foi defendido pela maioria dos bolcheviques,
               inclusive por Lênin que esperava que o Exército Vermelho se transfor-
               masse em agente fomentador da classe operária polonesa. Entretanto,
               isso está em descompasso com suas próprias lições sobre o caráter du-
               radouro da questão nacional  (IDEM, IBIDEM, p. 170). De fato, dada a
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               incongruência, o próprio Lênin veio a se arrepender do apoio à invasão
               da Polônia (DEUTSCHER, 2005, p. 489). A história do campo socialista
               está eivada de exemplos no mesmo sentido: ruptura da URSS com a
               Iugoslávia (1948), invasão da Hungria (1956), invasão da Tchecoslová-
               quia (1968), guerra de fronteira da China com a URSS (1969) e com o
               Vietnã (1979), imposição de lei marcial na Polônia (1981), entre outros
               casos (LOSURDO, IBIDEM, p. 179).
                     A questão nacional dialoga também com a temática do Estado e
               de suas instituições. Como destaca Losurdo (IBIDEM, p. 54-55), a ilu-


               14  Bukharin chegou a imaginar que o exército vermelho pudesse chegar até Londres e Paris (COHEN, 1990, p. 123).

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