Page 101 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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congelada que se assemelhava misteriosamente ao rosto do. pai.
    —  Tom,  não  deixe  ninguém  divertir-se  à  sua  custa.  Tudo  é  pessoal,  todo  pedacinho  de
  negócio. Todo pequeno aborrecimento que todo homem tem de engolir todos os dias de sua vida
  é pessoal. Chamam a isso de negócio. Muito bem. Mas é absolutamente pessoal. Você sabe com
  quem aprendi isso? Com Don Corleone. Meu velho. O Padrinho. Se um raio atingisse um amigo
  seu, o velho tomaria isso como um caso pessoal. Ele considerou o meu ingresso no Corpo de
  Fuzileiros Navais como um caso pessoal. Isso é que o faz grande. O Grande Don. Ele toma tudo
  como caso pessoal. Como Deus. Ele conhece até as penas que caem da cauda de um pardal ou
  qualquer outra coisa que ocorra. Certo? E você sabe alguma coisa? Acidentes não acontecem a
  pessoas que tomam os acidentes como um insulto pessoal. Assim, cheguei tarde, muito bem, mas
  estou  vindo  ainda  a  tempo.  É  bem  certo,  estou  tomando  esta  cara  quebrada  como  um  caso
  pessoal; é bem certo, tomo a tentativa de Sollozzo de matar meu pai como um caso pessoal.
    Deu uma gargalhada e prosseguiu:
    — Diga ao velho que aprendi isso com ele e que estou contente por ter tido a oportunidade de
  pagar o que ele fez por mim. Ele foi um bom pai.
    Fez uma pausa e em seguida disse pensativamente para Hagen:
    — Você sabe, não me lembro de ele ter batido em mim. Ou em Sonny. Ou em Freddie. E
  com a minha irmã Connie naturalmente ele nem mesmo gritou. E diga-me uma coisa, Tom,
  quantos homens você acha que Don Corleone matou ou mandou matar?
    — Vou dizer uma coisa que você não aprendeu com ele: falar da maneira que você está
  fazendo agora — retrucou Hagen. — Há coisas que precisam ser feitas, que as fazemos e nunca
  falamos  nelas.  Não  tentamos  justificá-las.  Não  podem  ser  justificadas.  Apenas  as  fazemos.
  Depois as esquecemos.
    Michael Corleone franziu as sobrancelhas e perguntou calmamente:
    — Como consigliori, você pensa que é perigoso para Don Corleone e nossa Família deixar
  Sollozzo com vida?
    — Sim — respondeu Hagen
    — Muito bem — finalizou Michael. — Então eu o matarei.
    Michael  Corleone  postou.se  em  frente  do  restaurante  de  Jack  Dempsey,  na  Broadway,  à
  espera  de  que  o  apanhassem.  Olhou  para  o  seu  relógio.  Faltavam  cinco  minutos  para  as  oito
  horas. Sollozzo ia ser pontual. Michael tinha-se assegurado de que havia chegado bem antes da
  hora marcada. Estava esperando há uns quinze minutos.
    Durante a viagem de Long Beach para a cidade, Michael procurara esquecer o que dissera a
  Hagen.  Pois,  se  ele  acreditasse  no  que  dissera,  então  a  sua  vida  estaria  colocada  num  curso
  irrevogável.  Contudo,  poderia  ser  diferente  depois  daquela  noite?  Ele  seria  assassinado  depois
  daquela noite, se não parasse toda aquela besteira, Michael pensou melancolicamente. Tinha de
  manter toda a atenção no trabalho que ia executar. Sollozzo não era idiota McCluskey era um
  sujeito duro. Sentiu a dor na sua mandíbula presa com fio metálico e ficou satisfeito, pois ela o
  faria ficar alerta.
    A Broadway não estava tão movimentada naquela noite fria de inverno, embora já estivesse
  quase na hora do início das sessões de teatro. Michael recuou quando um carro preto comprido
  parou no meio-fio e o motorista, inclinando-se, abriu a porta da frente e disse:
    — Entre, Mike.
    Michael não conhecia o motorista, um rapaz de cabelo preto glostorado e camisa esporte. No
  assento traseiro estavam o Capitão McCluskey e Sollozzo.
    Sollozzo estendeu a mão por cima das costas do assento, e Michael apertou-a. A mão estava
  firme, quente e enxuta. Sollozzo falou:
    — Estou contente por você ter vindo, Mike. Espero que possamos acertar tudo. Isso tudo é
  horrível, não é absolutamente como eu queria que as coisas acontecessem. Nunca deveria ter
  acontecido isso.
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