Page 105 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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O ar parecia estar cheio de névoa cor-de-rosa. Michael virou-se para o homem sentado
perto da parede. Ele não fizera sequer um movimento. Parecia paralisado. Agora
cautelosamente mostrava estar com as mãos em cima da mesa e olhava para longe. O garçom
voltava cambaleante para a cozinha, com uma expressão de horror estampada no rosto, olhando
fixamente para Michael como se não acreditasse no que vira. Sollozzo estava ainda na cadeira,
com um lado do corpo apoiado na mesa. McCluskey, com o corpo pesado puxando para baixo,
tinha caído da cadeira no chão. Michael deixou a arma escapulir de sua mão de forma que ela
bateu no seu corpo e não fez barulho. Viu que nem o homem de perto da parede nem o garçom
perceberam que ele deixara cair a arma. Deu alguns passos em direção da porta e abriu-a. O
carro de Sollozzo estava ainda estacionado no meio-fio, mas não havia sinal do motorista.
Michael virou para a esquerda e dobrou a esquina. Faróis se acenderam e um sedan amassado
parou perto dele, abrindo rapidamente a porta. Ele saltou para dentro e o carro arrancou para a
frente. Viu que era Tessio que estava na direção, com suas feições garbosas duras como
mármore.
— Você fez o serviço em Sollozzo? — perguntou Tessio.
Naquele momento, Michael ficou impressionado com a linguagem que Tessio usara. Isso era
sempre usado em sentido sexual, fazer o serviço numa mulher significava seduzi-la. Era curioso
que Tessio a usasse agora.
— Em todos dois — respondeu Michael.
— Tem certeza? — perguntou Tessio.
— Vi os miolos deles — acentuou Michael.
Havia uma roupa no carro para que Michael trocasse pela que trazia no corpo. Vinte minutos
depois, ele estava num cargueiro italiano destinado à Sicília. Duas horas mais tarde, o cargueiro
zarpou e de seu beliche Michael pôde ver as luzes de Nova York ardendo como o fogo do inferno.
Ele teve uma enorme sensação de alivio. Estava fora da jogada agora. Já sentira isso uma vez,
lembrava-se de ter sido tirado da praia de uma ilha que os fuzileiros navais haviam invadido. A
batalha prosseguia ainda, mas ele recebera um ferimento leve e estava sendo transportado para
um navio-hospital. Sentira então o mesmo alívio esmagador que sentia agora. O inferno todo
desabaria, mas ele não estaria ali.
Um dia depois do assassinato de Sollozzo e do Capitão McCluskey, os capitães e tenentes da
polícia de todo o distrito de Nova York mandaram avisar: não haveria mais jogo, prostituição,
nem tratos de espécie alguma, enquanto não fosse apanhado o assassino do Capitão McCluskey.
Batidas policiais sucessivas começaram em toda a cidade. Todas as atividades comerciais ou
ilegais tiveram de parar.
Mais tarde, nesse mesmo dia, um emissário das Famílias perguntava à Família Corleone se
estava preparada para entregar o assassino. Respondeu ela que nada tinha com o crime. Naquela
noite uma bomba explodia na alameda da Família Corleone em Long Beach, atirada de um carro
que parou diante da corrente e depois arrancou. Nessa mesma noite, também, dois capangas da
Família Corleone foram assassinados quando jantavam tranqüilamente num pequeno restaurante
italiano em Greenwich Village. A Guerra das Cinco Famílias de 1946 começara.