Page 110 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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— Quando alguém duvidar de você, toque o telefone para mim, eu esclarecerei a questão.
Direi como persegui você por todo o apartamento, mas que você defendeu a sua honra. Está
bem?
Johnny finalmente foi um tanto cruel e sentiu-se magoado por ver a ofensa estampada no
rosto da jovem. Sharon compreendeu que ele estava dizendo que não tinha tentado com muito
afinco. Ele tirou-lhe a doçura da vitória. Agora ela poderia pensar que fora a sua própria falta de
encanto ou atração que a tornara vitoriosa naquela noite. E, sendo a garota que era, quando ela
contasse a história de como resistira ao grande Johnny Fontane, teria sempre que acrescentar
com um risinho torto:
— De fato, ele não tentou com muito afinco.
Agora, sentindo pena dela, ele disse:
— Se você alguma vez sentir-se realmente deprimida, toque o telefone para mim. Está bem?
Não sou obrigado a dormir com toda garota que conheço.
— Telefonarei — respondeu ela retirando-se do apartamento.
Johnny ficou então sozinho com uma longa noite para passar. Podia usar o que Jack Woltz
chamava o “matadouro”, o estábulo das estrelinhas submissas, mas ele queria a companhia de
um ser humano. Pensou na sua primeira mulher, Virginia. Agora que o seu trabalho no filme
havia terminado, ele teria mais tempo para as crianças. Ele queria tornar-se parte da vida delas
novamente. E ele se preocupava a respeito de Virginia também. Ela não estava preparada para
resistir aos “gaviões” de Hollywood que haveriam de persegui-la apenas para poder vangloriar-
se de ter trepado com a primeira mulher de Johnny Fontane. Até onde sabia, ninguém podia
ainda dizer isso. Embora todo mundo pudesse fazê-lo com respeito à sua segunda mulher, pensou
ele ironicamente. Pegou então o telefone.
Reconheceu logo a voz de Virginia e isso não o surpreendeu. Ele a ouvi ra pela primeira vez
aos dez anos de idade e eles tinham crescido juntos.
— Alô, Ginny, você está ocupada esta noite? — perguntou ele. — Posso ir vê-la por alguns
instantes?
— Está bem — respondeu ela. — As meninas já estão dormindo, não quero acordá-las.
— OK. Quero apenas falar com você.
Virginia hesitou um pouco, depois, procurando controlar-se para não mostrar qualquer
preocupação, perguntou:
— É alguma coisa séria, algo importante?
—Não — respondeu Johnny. — Terminei o filme hoje e pensei que talvez pudesse vê-la,
falar com você. Talvez pudesse dar uma olhada nas meninas, se você tivesse a certeza de que
não acordariam.
— Está bem — retrucou ela. — Sinto-me contente por você ter conseguido o papel que
desejava.
— Obrigado — respondeu ele. Estarei aí dentro de meia hora.
Quando chegou diante do que tinha sido seu lar em Beverly Hills, Johnny Fontane
permaneceu sentado no carro, por um momento, contemplando a casa. Lembrou-se do que lhe
dissera o seu Padrinho, que ele podia fazer de sua vida o que quisesse. Era uma grande
oportunidade se ele soubesse o que queria. Mas que queria ele?
A sua primeira mulher o esperava na porta. Era bonita, um tipo pequeno e moreno, uma boa
moça italiana, a vizinha que nunca perderia tempo com outro homem e que tinha sido importante
para ele. Será que ele ainda a queria, perguntou a si mesmo, e a resposta foi “não”. Por um
motivo, Johnny não poderia mais amá-la, o afeto que um tinha pelo outro se tornara muito velho.
E havia algumas coisas, que nada tinha a ver com sexo, de que ela jamais poderia perdoá-lo.
Mas eles não eram mais inimigos.
Virginia fez café e serviu-o com biscoitos caseiros na sala de estar.
— Estire-se no sofá — falou ela. — Você parece cansado.