Page 120 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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capítulo especialmente interessante e finalmente exclamou:
    — Ótimo, eu gostaria de lê-la quando você terminasse. Que tal mandar-me um exemplar?
  Talvez eu possa conseguir um bom negócio para ela, melhor do que o que você conseguiu com
  Woltz.
    A  avidez  denunciada  pela  voz  do  escritor  convenceu  Johnny  de  que  ele  havia  pensado
  acertadamente. Woltz esfolara o sujeito, pagara-lhe uma ninharia pelo livro. Johnny comunicou-
  lhe que deveria estar em Nova York logo depois das festas e perguntou se ele gostaria de jantar
  com ele e alguns amigos.
    — Conheço umas garotas muito boas — concluiu Johnny em tom de brincadeira.
    O escritor deu uma gargalhada e respondeu concordando
    Em seguida, Johnny discou para o diretor e o cinegrafista do filme que acabara de fazer, a
  fim de agradecer-lhes por tê-lo ajudado no trabalho. Disse-lhes confidencialmente que sabia que
  Woltz  estava  contra  ele  e  agradecia  sinceramente  a  ajuda  deles  e  que  se  houvesse  algo  que
  pudesse fazer por eles deviam apenas telefonar-lhe.
    Então  deu  o  telefonema  que  era  o  mais  difícil  de  todos,  aquele  dirigido  a  Jack  Woltz.
  Agradeceu-lhe pelo papel que lhe dera no filme e disse-lhe como se sentiria feliz em trabalhar
  para ele em qualquer tempo. Fez isso somente para pregar uma peça a Woltz. Ele sempre fora
  muito  correto,  muito  direito.  Em  poucos  dias,  Woltz  descobriria  as  suas  manobras  e  ficaria
  espantado  com  a  deslealdade  desse  telefonema,  o  que  era  exatamente  o  que  Johnny  Fontane
  queria que ele sentisse.
    Depois  disso,  Johnny  se  sentou  na  escrivaninha  e  começou  a  tirar  baforadas  do  charuto.
  Havia uísque numa mesinha lateral, mas ele fizera uma espécie de promessa a si mesmo e a
  Hagen de que não beberia. Nem devia estar fumando. Era tolice; o que tinha acontecido com sua
  voz provavelmente não sofreria qualquer alteração se ele deixasse de fumar e de beber. Não
  muito, mas que diabo, isso ajudaria, e ele queria aproveitar todos os trunfos, agora que tinha a
  oportunidade de lutar pela reabilitação.
    Agora, com a casa mergulhada em silêncio, sua ex-esposa e suas filhas dormindo, ele podia
  pensar naquele terrível período de sua vida em que as abandonara. Sim, ele as abandonara por
  uma prostituta vagabunda que era a sua segunda mulher. Mas mesmo agora sorria ao pensar
  nela, ela era adorável em muitos aspectos, e além disso, a única coisa que salvara sua vida foi o
  dia em que ele resolveu que jamais odiaria uma mulher ou, mais especificamente o dia em que
  decidiu que não podia odiar sua primeira esposa e suas filhas, suas amantes, sua segunda esposa,
  e  as  suas  amantes  depois  desta,  nem  mesmo  Sharon  Moore  que  o  havia  repudiado,  com  o
  objetivo de vangloriar-se de ter-se recusado a trepar com o grande Johnny Fontane.
    Johnny viajara com a banda cantando e em seguida se tornara artista de rádio, participara de
  shows e, depois, finalmente, começara a fazer filmes. Durante todo esse tempo, vivera como
  quisera,  trepara  com  as  mulheres  que  desejara,  mas  nunca  deixara  isso  influir  em  sua  vida
  pessoal.  Depois  se  apaixonara  por  aquela  que  logo  se  tornaria  sua  segunda  esposa,  Margot
  Ashton; ficara completamente louco por ela. Sua carreira levou a breca, sua voz levou a breca,
  sua vida familiar levou a breca. E chegou o dia em que se viu destituído de tudo.
    O fato era que ele tinha sido sempre generoso e decente. Dera à primeira mulher tudo o que
  possuía quando se divorciou dela. Garantira para as duas filhas uma participação em tudo o que
  fazia, em todo disco, em todo filme, em toda exibição que realizava. E quando estava no apogeu
  não recusara nada à sua primeira mulher. Ajudara todos os irmãos e irmãs, o pai e a mãe, as
  namoradas  do  seu  tempo  de  escola  e  suas  famílias.  Nunca  fora  uma  celebridade  pernóstica.
  Cantara no casamento das duas irmãs mais moças de sua mulher, coisa que ele detestava fazer.
  Nunca recusara nada a ela a não ser a renúncia completa de sua própria personalidade.
    E,  então,  quando  ele  se  afundara  por  completo,  quando  não  podia  mais  obter  trabalho  no
  cinema, quando não podia mais cantar, quando a sua segunda mulher o traíra, ele fora passar
  alguns dias com Virginia e as filhas. Certa noite chegara quase a implorar piedade a ela porque
  se  sentira  extremamente  desprezível.  Naquele  dia,  ouvira  uma  de  suas  gravações  e  ela  lhe
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