Page 121 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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parecera tão horrível que ele acusou os técnicos de som de sabotarem o disco. Até que, por fim,
se convencera de que realmente sua voz soava horrivelmente. Ele despedaçou a matriz e
recusou-se a cantar daí em diante. Estava tão envergonhado que não havia cantado uma só nota a
não ser com Nino no casamento de Connie Corleone.
Johnny jamais esquecera a cara que Virginia fizera quando descobriu tudo a respeito de suas
desventuras. Isso durara apenas um segundo, mas foi o suficiente para que ele jamais
esquecesse. Foi uma cara de sádica satisfação, uma cara que só podia fazê-lo acreditar que ela o
odiara durante todos aqueles anos. Ela prontamente se recompôs e ofereceu-lhe a sua
solidariedade fria, mas delicada. Ele fingira aceitá-la. Durante os dias seguintes, procurara três
das garotas de quem mais gostara naqueles anos, garotas de quem ele continuara amigo e com
quem dormia ainda às vezes na camaradagem, garotas para quem ele fizera tudo o que estava a
seu alcance a fim de ajudar, garotas a quem ele dera centenas de milhares de dólares em
presentes ou oportunidades de emprego. No rosto delas, percebeu o mesmo ar de sádica
satisfação.
Foi durante esse período que ele sentiu que tinha de tomar uma decisão. Podia tornar-se igual
a muitos outros famosos homens de Hollywood, produtores, escritores, diretores, atores de
sucesso, que atacavam as mulheres bonitas com fúria libidinosa. Podia usar a força do seu
dinheiro com relutância, sempre alerta para a traição, sempre acreditando que as mulheres o
trairiam e o abandonariam, que eram adversários a serem derrotados. Ou podia recusar-se a
odiar as mulheres e continuar a acreditar nelas.
Ele sabia que não podia passar sem amá-las, que algo de seu espírito morreria se ele não
continuasse a amar as mulheres, pouco importando quão traiçoeiras e infiéis fossem elas. Não
importava que as mulheres a quem ele mais amava estivessem intimamente satisfeitas por vê-lo
esmagado, humilhado, por uma sorte caprichosa; não importava que da maneira mais espantosa,
não sexualmente, elas tivessem sido infiéis a ele. Ele não tinha alternativa. Tinha de aceitá-las.
Assim, Johnny amava todas elas, dava-lhes presentes, escondia a mágoa que lhe proporcionava a
alegria que elas demonstravam pelas desventuras que o atingiam. Ele as perdoava sabendo que
estava pagando por ter vivido na maior liberdade com respeito às mulheres e por ter aproveitado
o máximo do viço e frescor delas. Agora, porém, ele se sentia culpado por ter sido falso para
elas. Nunca se sentira culpado pelo modo como tratara Ginny, insistindo em continuar a ser o
único pai de suas filhas embora jamais tivesse sequer considerado a possibilidade de casar
novamente com ela, e deixasse que Ginny soubesse disso também. Isso era uma coisa que ele
salvara de sua queda no abismo. Ele se tornara insensível aos males que fazia às mulheres.
Sentia-se cansado e pronto para ir dormir, mas uma idéia fixou-se em sua memória: cantar
com Nino Valenti E de repente percebeu o que agradaria a Don Corleone mais do que qualquer
outra coisa. Pegou o telefone e pediu à telefonista que o ligasse com Nova York. Chamou Sonny
Corleone e perguntou-lhe o número de Nino Valenti. Em seguida, ligou para Nino, que parecia
um pouco bêbedo, como de costume.
— Alô, Nino, você gostaria de vir para cá trabalhar para mim — perguntou Johnny. —
Preciso de um cara em que eu possa confiar.
— Palavra de honra, não sei, Johnny — respondeu Nino, brincando — tenho um bom
emprego no caminhão, divertindo as mulheres casadas na minha rota, apanhando meus
tranqüilos cento e cinqüenta dólares por semana. Que é que você me pode oferecer de melhor?
— Posso fazer você começar com quinhentos dólares e arranjar encontros com estrelas de
cinema, que tal? — perguntou Johnny. — E talvez deixe você cantar em minhas festas.
— Sim, está bem, vou pensar no assunto — pilheriou Nino. — Vou falar com meu advogado,
com meu contador e com meu ajudante de caminhão.
— Escute, Nino, nada de brincadeiras — retrucou Johnny. — Preciso de você aqui. Quero
que você tome o avião amanhã de manhã e venha assinar um contrato de quinhentos dólares por
semana por um ano. Depois, se você roubar uma das minhas mulheres e eu o despedir, você terá
direito pelo menos a um ano de salário. Está bem?