Page 180 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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A voz de Hagen estava perfeitamente calma.
—. Está bem — disse ele. — Vá à casa de Clemenza e diga a ele para vir aqui
imediatamente. Ele dirá a você o que fazer.
Hagen recebera o telefonema na cozinha, com a Sra. Corleone preparando afobadamente
uma refeição ligeira para a chegada da filha. Ele manteve a compostura e a velha não notou
nada de anormal. Não que ela não pudesse notar, se quisesse, mas na sua vida com Don Corleone
ela aprendera que era mais prudente não perceber. Que se fosse necessário saber de alguma
coisa dolorosa, alguém logo contaria a ela. E se fosse uma dor que lhe pudesse ser poupada, ela
poderia passar sem tomar conhecimento disso. Ela sentia-se bem contente por não participar da
dor dos homens que a rodeavam, afinal de contas eles participavam da dor das mulheres?
Impassivelmente, esquentou o café e pôs a comida na mesa. Em sua experiência, a dor e o medo
não mitigavam a fome; em sua experiência, a ingestão de comida mitigava a dor. Ela ficaria
furiosa se um médico tentasse dar-lhe um sedativo, mas café e uma crosta de pão eram outra
coisa; ela provinha, naturalmente, de uma cultura mais primitiva.
E assim ela deixou Tom Hagen escapulir para a sala de reunião do canto, onde ele entrou
tremendo tão violentamente que teve de sentar-se com as pernas bem unidas uma na outra, a
cabeça curvada nos ombros contraídos, as mãos apertadas uma na outra entre os joelhos como
se estivesse rezando para o diabo.
Ele não servia, agora sabia disso, para ser o consigliori de uma Família em guerra. Fora
enganado, trapaceado, pelas cinco Famílias e pela aparente timidez delas. Tinham ficado
sossegadas, preparando a sua terrível embosca da. Tinham planejado e esperado, contendo as
suas mãos ensangüentadas qualquer que fosse a provocação que lhes fizessem. Tinham esperado
para dar um golpe terrível. E o deram. O velho Genco Abbandando jamais cairia nele; teria
farejado até um rato, teria descoberto todos eles, triplicado suas precauções. E através de tudo
isso Hagen sentia sua mágoa. Sonny fora um verdadeiro irmão para ele, seu salvador; seu herói
quando meninos criados juntos. Sonny nunca fora ordinário nem fanfarrão com ele, sempre o
havia tratado com carinho, ele o tomara nos braços quando Sollozzo o libertou. A alegria de Son
ny naquela reunião fora realmente sincera. Que Sonny se tivesse tornado um homem cruel,
violento e sanguinário não tinha, para Hagen, importância alguma.
Saíra da cozinha porque sabia que jamais poderia dar à Sra. Corleone a notícia da morte do
filho. Jamais a considerava sua mãe como considerava Don Corleone seu pai e Sonny seu irmão.
A sua afeição por ela era como a sua afeição por Freddie, Michael e Connie. A afeição por
alguém que tinha sido bondoso, mas não amoroso. Mas não podia dar a notícia a ela. Em poucos
meses, ela perdera todos os filhos; Freddie exilado em Nevada, Michael escondido na Sicília,
para salvar a vida, e agora Santino morto. Qual dos três ela amava mais? Ela mesma nunca
soubera.
Poucos minutos depois, Hagen conseguiu recuperar o controle e pegou o telefone. Chamou o
número de Connie. Tocou um bocado de tempo até que Connie atendeu numa voz muito baixa.
— Connie, aqui é Tom — disse Hagen delicadamente. — Acorde o seu marido, preciso falar
com ele.
— Tom, Sonny está vindo para cá? — perguntou ela numa voz baixa assustada.
— Não — respondeu Hagen. — Sonny não está indo para aí. Não se preocupe com isso.
Acorde imediatamente Carlo e diga-lhe que é muito importante que eu fale com ele agora.
Connie retrucou com voz chorosa:
— Tom, ele me bateu, tenho medo que me machuque novamente se souber que eu telefonei
para casa.
Hagen voltou a falar delicadamente:
—. Ele não vai saber. Ele falará comigo e eu explicarei a coisa a ele. Tudo estará bem. Diga
a ele que é muito importante, muito importante mesmo, que ele venha ao telefone. Está bem?
Passaram-se quase cinco minutos para que Hagen ouvisse a voz de Carlo através do telefone,