Page 182 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Contudo,  Hagen  temia  profundamente  a  hora  seguinte.  Procurou  preparar  tudo  à  sua
  maneira. Teria de ser,  de  qualquer  maneira,  rigoroso  com  a  sua  própria  culpa.  Censurar  a  si
  mesmo  apenas  aumentaria  a  carga  de  Don  Corleone.  Mostrar  a  sua  própria  dor  apenas
  intensificaria a dor de Don Corleone. Apontar as suas deficiências como consigliori em tempo de
  guerra apenas faria Don Corleone censurar a si mesmo pelo seu próprio mau julgamento em
  escolher tal homem para tão importante posto.
    Ele devia, Hagen sabia, contar a notícia, apresentar a sua análise do que devia ser feito para
  corrigir a situação e depois calar-se. As suas reações dali em diante seriam as determinadas por
  Don Corleone. Se o Don quisesse que ele se mostrasse culpado, ele se mostraria culpado; se o
  Don determinasse dor, ele revelaria toda a sua autêntica tristeza.
    Hagen ergueu a cabeça ao ouvir o ruído de carros rodando pela alameda. Os caporegimes
  estavam  chegando.  Ele  os  instruiria  primeiro  e  depois  subiria  para  acordar  Don  Corleone.
  Levantou-se, foi até o bar perto da escrivaninha, tirou um copo e uma garrafa. Ficou parado, por
  um momento, estava tão abatido que não pôde despejar a bebida no copo. Por trás dele, ouviu a
  porta da sala abrir-se mansamente e, virando-se, viu, completamente vestido pela primeira vez
  desde que fora baleado, Don Corleone.
    Este atravessou a sala na direção de sua enorme poltrona de couro e sentou-se. Andava um
  pouco rijo, as calças pareciam um pouco folgadas em seu corpo, mas aos olhos de Hagen ele era
  o  mesmo  que  sempre  fora.  Era  quase  como  se  unicamente  por  sua  própria  vontade  Don
  Corleone  tivesse  eliminado  todo  aspecto  externo  de  seu  ainda  enfraquecido  organismo.  O  seu
  rosto apresentava firmemente toda a sua força e resistência. Ele sentou-se ereto na poltrona e
  disse a Hagen:
    — Dê-me um gole de anisete.
    Hagen trocou a posição das garrafas e serviu para ambos uma porção da ardente bebida
  licorosa. Era uma bebida camponesa, feita em casa, muito mais forte do que a vendida nas casas
  do gênero, sendo presente de um velho amigo que todo ano ofertava a Don Corleone um pequeno
  caminhão cheio dela.
    — Minha mulher estava chorando antes de adormecer — disse Don Corleone. — Do lado de
  fora  da  minha  janela  vi  meus caporegimes  chegando  a  casa  e  é  meia-noite.  Portanto,  meu
  consigliori, acho que você deve dizer ao seu Don o que todo mundo sabe.
    Hagen respondeu tranqüilamente:
    — Não contei nada à mamãe. Eu já ia subir para lhe acordar e lhe contar pessoalmente a
  notícia. Mais um instante e eu iria acordá-lo.
    Don Corleone disse impassivelmente:
    — Mas você precisou primeiro de um trago.
    — Sim — respondeu Hagen.
    — Você já tomou o seu trago — retrucou Don Corleone. — Pode contar-me agora.
    Havia apenas uma insinuação bem leve de censura na voz de Don, pela fraqueza de Hagen.
    — Balearam Sonny na via elevada — disse Hagen. — Ele está morto.
    Don  Corleone  pestanejou.  Apenas  por  uma  fração  de  segundo  o  muro  de  sua  vontade  se
  desintegrou e o escoamento de sua resistência física se tornou claro em seu rosto. Em seguida ele
  se recuperou.
    Apertou as mãos em sua frente no tampo da escrivaninha e encarou diretamente os olhos de
  Hagen.
    — Conte-me tudo o que aconteceu — pediu ele. Suspendeu uma das mãos e disse: — Não,
  espere até Clemenza e Tessio chegarem para que você não tenha de contar de novo a história.
    Momentos  depois,  os  dois  caporegimes  entraram  na  sala  acompanhados  de  um
  guarda.costas. Compreenderam imediatamente que Don Corleone sabia da morte do filho porque
  ele estava ali em pé para recebê-los. Abraçaram-no como se permite aos velhos camaradas.
  Todos  tomaram  um  trago  de anisete  que  Hagen  lhes  serviu  antes  de  contar-lhes  a  história
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