Page 186 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Parlamento italiano lançaram um contra-ataque burocrático aos planejadores. Isso durou vários
  anos e, nesse ínterim, Mussolini ascendeu ao poder. O ditador decretou que a represa devia ser
  construída. Não foi. O ditador sabia que a Máfia seria uma ameaça ao seu regime, formando o
  que equivalia a uma autoridade separada por sua própria conta. Deu plenos poderes a um alto
  funcionário da polícia, que prontamente resolveu o problema jogando todo mundo na prisão ou
  deportando gente para as ilhas de trabalho penal. Em poucos anos, ele destruiu o poder da Máfia,
  simplesmente  pelo  processo  de  prender  arbitrariamente  qualquer  pessoa  que  fosse  apenas
  suspeita de ser um mafioso. E assim levou também a ruína a um grande número de famílias
  inocentes.
    Os Bocchicchio foram bastante arrojados e recorreram à força contra esse poder ilimitado.
  Metade dos homens foi morta em combate armado, a outra metade deportada para as colônias
  das ilhas penais. Restava apenas um punhado deles, quando se começou a providenciar a sua
  emigração  para  a  América  por  meio  da  rota  clandestina  de  ir  de  navio  até  o  Canadá.  Havia
  quase vinte imigrantes e eles se estabeleceram numa pequena cidade não longe de Nova York,
  no  vale  do  Hudson,  onde,  começando  de  baixo,  trabalharam  arduamente  e  subiram  até  se
  tornarem  proprietários  de  uma  firma  de  coleta  de  lixo  com  seus  próprios  caminhões.
  Prosperaram porque não tinham concorrência. Não tinham concorrência porque os caminhões
  dos concorrentes eram incendiados e sabotados. Um sujeito persistente que reduziu os preços foi
  encontrado enterrado no lixo que ele recolhera durante o dia: fora asfixiado até morrer.
    Mas  à  medida  que  os  homens  se  casavam,  com  moças  sicilianas,  é  desnecessário  dizer,
  vieram os filhos, e o negócio do lixo, embora desse para o sustento, não proporcionava realmente
  o  bastante  para  comprar-se  as  boas  coisas  que  a  América  oferece.  E  assim,  como  uma
  diversificação,  os  membros  da  Familia  Bocchicchio  se  tornaram  negociadores  e  reféns  nos
  esforços de paz das Famílias da Máfia em guerra.
    Uma espécie de estupidez caracterizava o clã dos Bocchicchio, ou talvez eles fossem apenas
  primitivos. De qualquer forma, reconheciam suas limitações e sabiam que não podiam concorrer
  com outras Famílias da Máfia no esforço de organizar e controlar estruturas de negócios mais
  complexos  como  a  prostituição,  o  jogo,  os  entorpecentes  e  a  fraude  pública.  Eram  pessoas
  simples que podiam oferecer um suborno a um rondante qualquer, mas não sabiam como entrar
  em contato com um figurão da política. Tinham apenas duas vantagens a seu favor: a honra e a
  ferocidade.
    Um Bocchicchio jamais mentia, jamais cometia um ato de traição. Tal conduta era muito
  complicada. Outrossim, um Bocchicchio jamais esquecia um insulto e jamais deixava de vingá-
  lo custasse o que custasse. E assim, por acidente, eles toparam com o que provaria ser a sua
  profissão mais lucrativa.
    Quando as Famílias em guerra desejavam fazer paz e queriam parlamentar, entravam em
  contato com o clã dos Bocchicchio. O chefe do clã promovia as negociações iniciais e fornecia
  os  reféns  necessários.  Por  exemplo,  quando  Michael  foi  encontrar-se  com  Sollozzo,  um
  Bocchicchio fora deixado com a Família Corleone como garantia pela segurança de Michael,
  tendo o serviço sido pago por Sollozzo. Se Michael fosse assassinado por Sollozzo, então o refém
  Bocchicchio  mantido  pela  Família  Corleone  seria  morto  pelos  Corleone.  Nesse  caso,  os
  Bocchicchio se vingariam de Sollozzo como a causa da morte do membro de seu clã. Já que os
  Bocchicchio  eram  tão  primitivos,  nunca  deixavam  que  qualquer  coisa,  qualquer  espécie  de
  castigo, os impedisse de praticar a devida vingança. Sacrificariam a própria vida, não havendo
  proteção  contra  eles  se  fossem  traídos.  Um  refém  Bocchicchio  era  uma  garantia  de  inteira
  confiança.
    E agora, quando Don Corleone empregava os Bocchicchio como negociadores e combinava
  com eles que fornecessem reféns para que todas as Famílias comparecessem à reunião de paz,
  não podia haver dúvida quanto à sua sinceridade. Não podia haver dúvida quanto à traição. A
  reunião seria tão segura como um casamento.
    Fornecidos os reféns, a reunião realizou-se na sala de conferências do diretor de um pequeno
  banco comercial cujo presidente devia favores a Don Corleone, e na verdade este último possuía
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