Page 191 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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tivesse sido gravemente ferido e seu filho mais velho assassinado, seu império não se achasse em
  desordem completa, sua família pessoal dispersa, Freddie no Oeste e sob a proteção da Família
  Molinari e Michael escondido nos ermos da Sicília. Ele falava naturalmente, em dialeto siciliano.
    —  Quero  agradecer  a  todos  vocês  por  terem  vindo  —  começou.  —  Considero  isso  um
  serviço feito a mim pessoalmente e sinto-me devedor de cada um e de todos vocês. E assim
  quero dizer no início que estou aqui não para discutir ou convencer, mas apenas para argumentar
  e, como um homem razoável, fazer tudo o que for possível a todos nós para sermos amigos aqui
  também. Dou a minha palavra quanto a isso, e alguns de vocês que me conhecem bem sabem
  que não dou minha palavra levianamente. Ah, bem, vamos diretamente ao assunto. Somos todos
  homens honrados, não temos de dar uns aos outros garantias como se fôssemos advogados.
    Ele  fez  uma  pausa.  Nenhum  dos  outros  falou.  Alguns  estavam  fumando  charuto,  outros
  sorvendo tranqüilamente sua bebida. Todos esses homens eram bons ouvintes, pacientes. Além
  disso,  tinham  outra  coisa  em  comum.  Eram  homens  que  se  haviam  recusado  a  aceitar  a
  autoridade da sociedade organizada, homens que recusavam o domínio de outros homens. Não
  havia força humana que pudesse curvá-los à sua vontade, a não ser que eles o quisessem. Eram
  homens que defendiam a sua vontade livre com artimanhas e assassinatos. A vontade deles só
  podia ser destruída pela morte. Ou pela sensatez extrema.
    Don Corleone deu um suspiro.
    — Como é que as coisas foram tão longe? — perguntou retoricamente. — Bem, não importa.
  Um bocado de asneiras acaba de ocorrer. Foi tão infeliz, tão desnecessário. Mas permitam-me
  contar o que aconteceu, segundo o meu ponto de vista.
    Fez uma pausa para ver se alguém objetaria a que contasse a sua versão da história.
    — Graças a Deus, minha saúde está restabelecida e talvez eu possa ajudar a resolver esta
  questão acertadamente. Talvez meu filho tenha sido muito precipitado, muito voluntarioso, não
  digo que não. De qualquer modo, quero apenas dizer que Sollozzo veio a mim com a proposta de
  um negócio em que solicitava meu dinheiro e minha influência. Disse-me que contava com o
  apoio da Família Tattaglia. O negócio envolvia entorpecentes, no qual não tenho interesse. Sou
  um homem tranqüilo e tais esforços são muito intensos para meu gosto. Expliquei isso a Sollozzo
  com todo o respeito por ele e pela Família Tattaglia. Dei-lhe “não” com toda a cortesia. Disse-lhe
  que o negócio dele não interferia no meu, que eu não fazia objeção a que ele ganhasse a vida
  desse jeito. Ele levou isso a mal e trouxe a desgraça para todos nós. Bem, assim é a vida. Todos
  aqui podiam contar a sua própria história triste. Este não é o meu propósito.
    Don Corleone fez uma pausa e acenou a Hagen para que lhe servisse uma bebida gelada, o
  que Hagen rapidamente providenciou. Don Corleone molhou a boca.
    — Estou disposto a fazer a paz — declarou. — Tattaglia perdeu um filho, eu perdi um filho.
  Estamos quites. A que chegará o mundo se todos continuarem a guardar rancor contra toda a
  razão?  Isso  tem  sido  o  infortúnio  da  Sicília,  onde  os  homens  se  acham  tão  ocupados  com
  vendettas que não têm tempo de ganhar o sustento da família. Ë bobagem. Portanto, declaro
  agora, deixemos as coisas como eram antes. Não tomei qualquer medida para descobrir quem
  traiu e matou meu filho. Feita a paz, também nada farei a respeito. Tenho um filho que não pode
  voltar para casa e devo receber garantias de que, quando eu arranjar as coisas para que ele possa
  retornar com segurança, não haverá interferência, nem perigo, por parte das autoridades. Uma
  vez que isto seja estabelecido, talvez possamos falar sobre outros assuntos que nos interessam e
  nos dêem, a todos nós, um serviço proveitoso hoje.
    Corleone fez um gesto expressivo, resignado, com as mãos.
    — Isso é tudo o que quero — finalizou.
    Tudo foi muito bem-feito. Era o Don Corleone dos velhos tempos. Sensato. Maleável. De fala
  macia. Mas todos os presentes tinham notado que ele alegara estar gozando boa saúde, o que
  significava que era um homem que não podia ser subestimado, apesar dos infortúnios da Família
  Corleone. Tinham notado que ele dissera que era inútil a discussão de outros assuntos, enquanto a
  paz  que  ele  solicitava  não  fosse  concedida.  Tinham  notado  que  pedira  o  estabelecimento  do
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