Page 193 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
P. 193
assegurar que ele cause menos complicação. Estar nesse negócio não é tão mau assim, deve
haver controle, deve haver proteção, deve haver organização, não podemos permitir que todo
mundo viva correndo e faça o que bem entenda como se pertencesse a um grupo de anarquistas.
O Don de Detroit, mais amigo de Corleone que qualquer dos outros, também falou agora
contra a posição do amigo, no interesse do bom senso.
— Não acredito em entorpecentes — começou ele. — Por anos paguei ao meu pessoal um
pouco mais para que ele não se metesse nesse tipo de negócio. Mas isso não adiantou, não
ajudou. Alguém se aproxima dos meus homens e diz: “Tenho uns pozinhos, e se vocês colocarem
o investimento de três, ou quatro mil dólares, podemos fazer uma distribuição de cinqüenta mil.”
Quem pode resistir a tal lucro? E passam a ficar tão ocupados com o seu biscatezinho que se
esquecem de fazer o trabalho pelo qual pago a eles. Ganham muito mais nos entorpecentes. O
negócio cresce a cada momento. Não há meio de pará-lo, portanto temos de controlar o negócio
e mantê-lo respeitável. Não o quero perto das escolas, não o quero vendido a crianças. Isso é
uma infamita. Em minha cidade eu tentaria manter tal tráfico com a gente de cor, com os pretos.
São os melhores fregueses, os que trazem menos complicações e de qualquer maneira eles são
animais. Não têm respeito por suas mulheres, suas famílias ou por si mesmos. Que percam a
alma com entorpecentes. Mas alguma coisa deve ser feita, pois não podemos deixar que cada
um faça o que bem entenda e arranje complicação para todo mundo.
Esse discurso do Don de Detroit foi recebido com altos murmúrios de aprovação. Ele tinha
acertado na mosca. Não se podia nem mesmo pagar ao pessoal para ficar fora do tráfico de
entorpecentes. Quanto às suas observações sobre as crianças, isso se devia à sua bem conhecida
sensibilidade, á sua ternura. Afinal de contas, quem venderia entorpecentes às crianças? Onde
elas conseguiriam o dinheiro? Quanto às suas observações sobre os homens de cor, isso nem foi
ouvido. Os negros eram considerados como não tendo qualquer importância, qualquer força. O
fato de terem permitido que a sociedade os reduzisse a pó provava que eles não tinham
importância, e o fato de Zaluchi mencioná-los de qualquer modo provava que o Don de Detroit
tinha o espírito sempre voltado para coisas descabidas.
Todos os Dons falaram. Todos deploraram o tráfico de entorpecentes como um coisa má
que causaria complicação, mas concordaram que não havia meio de controlá-lo. Havia,
simplesmente, muito dinheiro a ser ganho no negócio, portanto concluía-se que haveria homens
que fariam tudo para dedicar- se a ele. Assim era a natureza humana.
Finalmente chegou-se a um acordo. O tráfico de entorpecentes seria permitido e Don
Corleone deveria dar-lhe alguma proteção legal no Leste. Ficou entendido que as Famílias Barzini
e Tattaglia fariam a maior parte das operações em grande escala. Com isso já resolvido, a
conferência podia prosseguir para tratar de outras questões de interesse mais amplo. Havia
muitos problemas complexos a serem resolvidos. Concordou-se que Las Vegas e Miami seriam
consideradas cidades livres, onde qualquer das Famílias poderia operar. Todos eles reconheciam
que essas eram as cidades do futuro. Concordou-se também que não seria permitida qualquer
violência nessas cidades, e os pequenos criminosos de todos os tipos deveriam ser
desencorajados. Concordou-se que nos negócios importantes, nas execuções que eram
necessárias, mas poderiam causar um grande clamor público, deveria haver aprovação daquele
conselho. Concordou-se que os capangas e outros soldados deveriam ser impedidos de cometer
crimes violentos e atos de vingança, uns contra os outros, por questões policiais. Concordou-se
que as Famílias prestariam serviços umas às outras, tais como fornecer executores, assistência
técnica para a realização de certas ações, como subornar jurados, que em alguns casos poderiam
ser vitais. Essas discussões, informais, coloquiais e de alto nível, tomaram tempo e foram
interrompidas para almoço e bebidas fornecidas pelo bar.
— Isso é toda a questão, então — disse finalmente Don Barzini. — Estabelecemos a paz e
quero apresentar os meus respeitos a Don Corleone, a quem todos nós conhecemos no decorrer
dos anos como um homem de palavra. Se surgirem novas divergências, poderemos encontrar-
nos novamente, não devemos bancar os tolos outra vez. De minha parte, a estrada é nova e
agradável. Estou satisfeito por ver tudo isso resolvido.