Page 194 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Somente Phillip Tattaglia estava ainda um pouco preocupado. O assassinato de Santino
Corleone tornara-o a pessoa mais vulnerável do grupo, se a guerra irrompesse novamente. Ele
falou afinal pela primeira vez.
— Concordei com tudo aqui, estou disposto a esquecer meu próprio infortúnio. Mas gostaria
de ouvir algumas garantias concretas de Corleone. Tentará ele alguma vingança individual?
Quando o tempo passar e a sua posição se tornar talvez mais forte, esquecerá que juramos
manter nossa amizade? Como saberei que em três ou quatro anos ele não achará que foi mal
servido, forçado contra a sua vontade a fazer este acordo e assim sentir-se livre para rompê-lo?
Teremos de nos manter em guarda uns contra os outros todo o tempo? Ou podemos
verdadeiramente ir em paz, com paz no espírito? Poderia Corleone dar-nos todas as suas
garantias como eu agora dou as minhas?
Foi então que Don Corleone fez o discurso que seria longamente lembrado, e que reafirmou
sua posição como o estadista mais sagaz dentre eles, tão dotado de bom senso, tão direto do fundo
do coração; e para o coração da questão. Nessa oportunidade Don Corleone criou uma expressão
que se tornaria tão famosa a seu modo como a Cortina de Ferro de Churchill, embora só
chegasse ao conhecimento público mais de dez anos depois.
Pela primeira vez, se levantou para se dirigir ao conselho. Ele era baixo e estava um pouco
magro em virtude de sua “doença”, talvez seus 60 anos sugerissem um pouco mais, porém não
havia dúvida de que ele recuperara toda a sua antiga força e toda a sua sagacidade.
— Que espécie de homens somos nós, então, se não temos o nosso próprio raciocínio? —
disse. — Todos nós não somos melhores do que fera numa selva, se este fosse o caso. Mas temos
raciocínio, podemos raciocinar uns com os outros e podemos raciocinar conosco mesmos. Com
que propósito começaria eu novamente todas essas complicações, a violência e a agitação? Meu
filho está morto e isso é uma infelicidade que devo suportar, não fazer que o mundo inocente em
torno de mim sofra comigo. Portanto, digo, dou a minha palavra de honra de que jamais
procurarei vingança, jamais procurarei reviver os atos que foram praticados no passado.
Deixarei este lugar com o coração purificado.
E prosseguiu:
— Permitam-me dizer que devemos sempre olhar os nossos interesses. Todos nós somos
homens que se recusaram a ser bobos, que se recusaram a ser marionetes que dançam num
cordel puxado pelos homens que estão no al to. Temos sido felizes aqui nesse país. A maior parte
de nossos filhos já criou uma vida melhor. Alguns de vocês têm filhos que são professores,
cientistas, músicos, e vocês são felizes. Talvez seus netos se tornem os novos pezzonovanti.
Nenhum de nós aqui quer ver nossos filhos seguir nossos passos, é uma vida muito dura. Eles
podem ser como outras pessoas, conquistar posição e segurança com sua própria coragem.
Tenho netos agora e espero que os filhos deles possam algum dia, quem sabe, ser um
governador, um presidente, nada é impossível aqui na América. Mas temos de progredir com os
tempos. Já passou a época das armas, dos assassinatos e dos massacres. Temos que ser astutos
como os homens de negócios, há muito dinheiro para se ganhar e assim é melhor para os nossos
filhos e os nossos netos.
— Quanto aos nossos próprios feitos — continuou — não somos responsáveis pelos elementos
de alto gabarito, os pezzonovanti que tomam a si o encargo de decidir o que faremos de nossas
vidas, que declaram as guerras nas quais querem que entremos e combatamos para proteger o
que eles possuem. Quem deve dizer que precisamos obedecer às leis que eles fazem para
defender o seu próprio interesse e para nos prejudicar? E quem são eles então para se intrometer
quando cuidamos de nossos interesses? Sonna cosa nostra — disse Don Corleone — esses
negócios são exclusivamente nossos. Dirigiremos o nosso mundo para nós mesmos porque é
nosso mundo, cosa nostra. E assim temos de permanecer juntos para nos guardarmos contra os
intrometidos de fora. Do contrário, eles nos subjugarão como subjugaram todos os milhões de
napolitanos e outros italianos deste país.
— Por este motivo — prosseguiu Don Corleone — desisto de minha vingança pelo meu filho
morto, para o bem comum. Juro agora que enquanto eu for responsável pelas ações de minha