Page 187 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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algumas  ações  desse  banco,  embora  estivessem  elas  no  nome  do  presidente.  O  presidente
  sempre mantinha na lembrança aquele momento em que se prontificara a dar a Don Corleone
  um  documento  escrito  provando  ser  ele  o  dono  das  ações,  para  evitar  qualquer  traição.  Don
  Corleone mostrou-se horrorizado.
    — Eu confiaria a você toda a minha fortuna — respondeu ele ao presidente. — Eu confiaria
  a você a minha vida e o bem-estar dos meus filhos. É inconcebível para mim que você alguma
  vez pensasse em me enganar ou em me trair. Todo o meu mundo, toda a minha fé em meu
  julgamento  do  caráter  humano  ruiriam  por  terra  Naturalmente  tenho  os  meus  próprios
  apontamentos a respeito disso para que, se algo me acontecer, os meus herdeiros saibam que
  você  tem  em  seu  poder  alguma  coisa  que  pertence  a  eles.  Mas  sei  que,  mesmo  que  eu  não
  estivesse  aqui  neste  mundo  para  guardar  os  interesses  dos  meus  filhos,  você  seria  fiel  às
  necessidades deles.
    O presidente do banco, embora não fosse siciliano, era um homem de delicada sensibilidade.
  Compreendia perfeitamente Don Corleone. Agora o pedido do Padrinho era uma ordem para o
  presidente  e  assim,  naquele  sábado,  a  sala  da  diretoria  do  banco,  onde  eram  realizadas
  conferências,  com  suas  fundas  cadeiras  de  couro,  com  seu  isolamento  absoluto,  foi  posta  à
  disposição das Famílias.
    A segurança no banco foi formada por um pequeno exército de homens escolhidos a dedo
  usando uniformes de guardas  do  banco.  As  dez  horas  de  uma  manhã,  a  sala  de  conferências
  começou a se encher. Além das cinco Famílias de Nova York, havia representantes de dez outras
  Famílias  de  outras  partes  do  país,  com  exceção  de  Chicago,  esta  ovelha.negra  do  submundo.
  Tinham desistido de tentar civilizar Chicago, e não viam razão para incluir aqueles cães danados
  em conferência tão importante.
    Instalaram ali um bar e um pequeno bufê. Cada representante presente à conferência tinha
  direito a um assistente. A maioria dos Dons levou seu consigliori como assistente, de modo que
  havia relativamente poucos jovens na sala. Tom Hagen era um desses jovens e o único que não
  era siciliano. Ele era um objeto de curiosidade, uma excentricidade.
    Hagen sabia como devia portar-se. Não falava, não sorria. Atendia seu chefe, Don Corleone,
  com todo o respeito de um conde favorito atendendo o seu rei; trazendo-lhe uma bebida gelada,
  acendendo-lhe o charuto, arranjando.lhe um cinzeiro; com respeito, mas não com servilismo.
    Hagen era a única pessoa naquela sala que conhecia a identidade dos retratos pendurados nas
  paredes  de  painéis  escuros.  Havia  principalmente  retratos  de  fabulosas  figuras  do  mundo
  financeiro feitos em ricas pinturas a óleo. Um era o do Secretário do Tesouro, Hamilton. Hagen
  não  podia  deixar  de  pensar  que  Hamilton  possivelmente  aprovaria  aquela  reunião  de  paz
  realizada numa instituição bancária. Nada era mais calmante, mais conducente à razão pura do
  que a atmosfera do dinheiro.
    A hora da chegada tinha sido elasticamente estabelecida entre 9:30 e 10 horas da manhã.
  Don Corleone, que em certo sentido era o anfitrião, pois fora ele quem iniciara as conversações
  de paz, tinha sido o primeiro a chegar; uma de suas virtudes era a pontualidade. O seguinte foi
  Carlo Tramonti, que fizera da parte meridional dos Estados Unidos seu território. Era um homem
  de  meia-idade,  impressionantemente  bonito,  alto  para  um  siciliano,  muito  queimado  pelo  sol,
  esquisitamente trajado e barbeado. Não parecia italiano, dava a impressão de um desses tipos de
  pescadores milionários refestelados em seus iates, cujos retratos saíam nas revistas. A Família
  Tramonti tirava o seu  sustento  do  jogo,  e  ninguém,  ao  deparar  com  o  seu  Don,  podia  sequer
  imaginar com que ferocidade ele conquistara o seu império.
    Emigrando  da  Sicília  ainda  quando  menino,  Tramonti  foi  morar  na  Flórida  e  ali  cresceu,
  empregado pelo sindicato americano de políticos das pequenas cidades sulistas que controlavam
  o jogo. Esses indivíduos eram homens duros apoiados por funcionários da polícia muito severos e
  jamais  desconfiaram  de  que  pudessem  ser  derrotados  por  um  imigrante  simplório.  Estavam
  despreparados  para  a  ferocidade  dele  e  não  podiam  retribuir  à  altura  simplesmente  porque
  achavam  que  as  recompensas  pelas  quais  brigavam  não  valiam  tanta  carnificina.  Tramonti
  venceu a polícia dando maior participação aos pequenos; exterminou aqueles bandidos bisonhos
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